Congresso da Sociedade Brasileira de Sociologia realiza mesa sobre as Promotoras Legais Populares
Durante o Congresso da Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS), realizado em São Paulo na última semana, a mesa “Promotoras Legais Populares: 30 anos de ação política no Brasil + 20 anos de pesquisas” reuniu pesquisadoras e ativistas de todo o país para debater os impactos, desdobramentos e desafios da atuação das Promotoras Legais Populares (PLPs) no cenário brasileiro. A mesa foi um dos destaques do evento, realizado sob o eixo temático “O mundo contemporâneo desafia a Sociologia”.
Com três décadas de história, o programa de PLPs soma cerca de 50 mil mulheres formadas em todo o país, majoritariamente das periferias urbanas, mulheres negras e trabalhadoras e hoje constitui-se em um verdadeiro movimento social no país. A formação visa ampliar o acesso das mulheres à justiça, à cidadania e ao conhecimento sobre direitos, com metodologias adaptadas aos territórios e conduzidas por organizações da sociedade civil, movimentos feministas e, mais recentemente, universidades públicas por meio de projetos de extensão.
A mesa foi também uma oportunidade de lançamento e celebração da coletânea “Promotoras Legais Populares: 20 anos de pesquisa” (Bonetti, Ricoldi e Vieira, 2024), que reúne estudos acadêmicos sobre a atuação das PLPs em diferentes territórios do país. A publicação oferece uma rica diversidade de análises, que vão desde perspectivas teóricas do feminismo negro e comunitário, até abordagens baseadas em conceitos como o “mulherismo” (Bonetti, 2000), o “capital político” (inspirado em Bourdieu), e teorias do reconhecimento, como as de Axel Honneth.
A mesa foi composta por representantes de organizações pioneiras na formação de PLPs. Além da representante da Themis Jéssica Miranda Pinheiro, estiveram presentes o Geledés – Instituto da Mulher Negra, e União de Mulheres de São Paulo, além de pesquisadoras com trajetória acadêmica na área.
Jéssica traçou um histórico da atuação da organização no fortalecimento das PLPs, suas metodologias e os impactos políticos concretos da formação em territórios de vulnerabilidade.
Maria Sylvia de Oliveira, presidenta do Geledés, destacou a intersecção entre gênero e raça na trajetória das PLPs, lembrando que na década de 1990 o feminismo institucionalizado ainda era majoritariamente branco e o movimento negro liderado por homens. Ela sublinhou a importância de romper com essa divisão e construir um feminismo negro que fosse capaz de articular justiça racial, de gênero e de classe. Maria Silvia também mencionou o programa PLP 2.0, desenvolvido em parceria com a Themis, como um exemplo de inovação e articulação entre tecnologia e formação política.
Amelinha Teles, da União de Mulheres de São Paulo, trouxe uma perspectiva histórica da experiência das PLPs desde a Constituinte de 1988 até os dias atuais, relacionando a atuação do movimento de promotoras legais populares com os desafios democráticos do país. Sua fala percorreu desde a inspiração inicial no modelo latino-americano até os atuais contextos de ameaças à democracia, evidenciando a resiliência da experiência das PLPs ao longo dos ciclos políticos.
Uma das participantes da mesa apresentou ainda dados de uma pesquisa desenvolvida no Canadá sobre o tema, destacando a importância de internacionalizar a experiência brasileira, como já vem sendo feito na atual implementação do projeto em Cabo Verde, na África, demonstrando o potencial do modelo de PLPs como ferramenta de cidadania global.
Além de celebrar os marcos históricos, a mesa teve um caráter estratégico: fazer um balanço coletivo entre academia e militância sobre os caminhos trilhados até aqui e os desafios que se colocam. O convite à ampliação da interlocução com pesquisadoras da sociologia e outras áreas marcou a abertura para novas leituras e colaborações, fundamentais para a continuidade e inovação das formações.
Em tempos de crescente desigualdade e ameaças à democracia, as Promotoras Legais Populares seguem como uma das mais longevas e potentes estratégias de formação política popular no Brasil, ampliando vozes, protegendo direitos e transformando realidades.