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Themis entrevista: Juliane Mombelli, procuradora do Ministério Público do Trabalho – RJ

Na última semana, seis trabalhadoras domésticas em situação análoga à escravidão foram resgatas durante a Operação Resgate II, promovida por MPT, Detrae/SIT, MPF, DPU, PF e PRF. 

Juliane Mombelli, procuradora do trabalho e vice-coordenadora regional de Combate ao Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro – CONAETE MPT RJ, participou da operação de resgate.

Ela explica que, por ser executado dentro de residência, o trabalho doméstico é ainda mais invisibilizado do que outras formas de escravidão contemporânea, e, como regra, as equipes precisam de autorizações judiciais para entrar e realizar investigações em domicílios. Por isso, as denúncias são muito importantes.

Confira, a seguir, trechos da entrevista com a procuradora:

1) Cresce o número de denúncias de trabalho análogo à escravidão no Brasil. Dentre esses casos, o de domésticas é um dos mais recorrentes. Por quê? 

O número de denúncias de casos de trabalho escravo em ambiente doméstico cresceu exponencialmente em razão da visibilidade que se deu a casos emblemáticos que foram descobertos recentemente. A divulgação desses casos e, também, campanhas de esclarecimento, fazem com que a sociedade se conscientize que existe essa prática de exploração e saiba a quem recorrer para que seja interrompida. 

2) É possível afirmar que, por ser executado dentro da residência, o trabalho doméstico é ainda mais invisibilizado do que outras formas de escravidão contemporânea?

Sim. Por ser realizado dentro de um ambiente protegido pela Constituição com a inviolabilidade, a superexploração da mão de obra acontece dentro de quatro paredes. Não é avistada pelos órgãos de repressão nem pela sociedade em geral, então, é muito mais difícil descobrir a ocorrência de trabalho escravo doméstico. 

3) Quais fatores permitem a perpetuação do trabalho doméstico análogo à escravidão?

Usamos o termo trabalho em condições análogas às de escravos porque a escravidão formal foi abolida, mas a escravidão como superexploração do trabalho nunca deixou de existir no Brasil. Recentemente, com a repercussão de casos enfrentados pelos órgãos de repressão, o país passou a ter consciência de que existe escravidão contemporânea. A sociedade percebe que existe trabalho escravo contemporâneo em todo lugar, inclusive no ambiente doméstico. O trabalho doméstico no Brasil é uma herança da cultura colonialista, enraizado na sociedade brasileira, pouco valorizado e acaba sendo porta de entrada no mercado de trabalho de mulheres com poucas oportunidades. O trabalho doméstico pode ser realizado de maneira formal, embora na maioria das vezes seja mantido na informalidade. Infelizmente, existem pessoas que se aproveitam de situações de vulnerabilidade de trabalhadoras domésticas e as submetem a condições de superexploração, caracterizando trabalho em condições análogas à de escravos. Uma situação recorrente é a retirada da criança ou adolescente da sua família com falsas promessas de proporcionar estudo, para submetê-la a uma vida de trabalho doméstico. A pessoa passa a viver à margem de uma nova família sem integrá-la, perdendo qualquer referência com sua família original, assim como referências sociais, é impedida de desenvolver sua cidadania e entra em uma condição que chamamos de vulnerabilidade social extrema. Isso permite que a força de trabalho daquela pessoa seja explorada na condição de trabalho doméstico análogo ao de escravo. 

4) Quais são os mecanismos e instrumentos de combate e enfrentamento ao trabalho doméstico análogo à escravidão contemporâneo? 

Acredito que campanhas de conscientização da sociedade de que existe essa prática são muito importantes. Instituições que congregam trabalhadores domésticos e os órgãos de fiscalização têm o dever de debater o assunto para desenvolver na sociedade a noção dos elementos que configuram trabalho escravo contemporâneo e que esses elementos podem ser encontrados no trabalho doméstico. E o fortalecimento dos órgãos de repressão, para que todas as denúncias possam ser devidamente apuradas. Além disso, o Estado precisa desenvolver políticas públicas para romper o ciclo da vulnerabilidade dos trabalhadores resgatados do trabalho escravo, de forma que, por meio de programas sociais, tenham oportunidade de reinserção no mercado de trabalho de maneira regular e com dignidade.

5) Qual a importância das denúncias para o enfrentamento?

As denúncias são extremamente importantes porque o ambiente doméstico é protegido pela lei e a exploração do trabalho doméstico em condições análogas à de escravidão é invisível aos olhos da fiscalização. Denúncias são fundamentais para que os órgãos de repressão possam agir pelos meios legais e fazer a averiguação dos fatos. É importante noticiar os fatos, as condições de como aquele trabalho está sendo desenvolvido: se há remuneração, acesso à alimentação, boas condições de moradia, pleno domínio de seus documentos e pertences pessoais, liberdade de sair da casa, uma vida social própria com amigos, se frequenta a escola. Tudo isso é importante. É a partir dos fatos que verificamos como se dá a relação de trabalho e se ocorrem irregularidades.

 


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