Há 25 anos na defesa e promoção dos direitos das mulheres

Diante do feminicídio brutal, sororidade brota na favela e são elas que protestam

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O telefone da redação tocou por duas vezes e do outro lado vozes aflitas diziam: “estamos protestando pela morte da Juliana”. O nome da moça que foi assassinada brutalmente pelo ex-marido, na frente dos filhos, no Jardim das Hortências, reverberou em todos os veículos de mídia neste fim de semana em Campo Grande. Juliana da Silva Fernandes, de 25 anos, foi morta na sexta-feira (22), esfaqueada por Michel de Carvalho, de quem estava separada há seis meses. Ela estava morando com a irmã e o cunhado, e falava sobre recomeçar a vida em um novo emprego.

Mas tudo isso foi tirado dela, e restou para a família cuidar de seus três filhos e garantir um enterro digno para a irmã, velada neste domingo (24). Mas o gosto amargo ficou na boca dos moradores, já que a morte de uma moça jovem e muito querida pelos vizinhos na favela Cidade dos Anjos parece ter sido em vão: o assassino passou o dia inteiro ligando para a irmã de Juliana e ameaçando a família e moradores. Mas esse fato só veio à tona quando cerca de 150 moradores atearam fogo em pneus, alguns pedaços de caixotes, madeira e dejetos, travando o cruzamento das avenidas Presidente Tancredo Neves com Arquiteto Vila Nova Artigas, no coração do Aero Rancho, por volta das 18h de ontem. A fumaça dos pneus era vista no horizonte de muito longe. Ao chegar no meio da concentração de gente e carros da polícia, havia histeria e muito choro no ar. Mas a primeira cena era uma das mais marcantes: uma moça grávida, muito jovem, aos prantos e com o corpo pintado de vermelho com os dizeres de “justiça”, segurava um cartaz dizendo “Jardim Hortência precisa de ajuda, Cidade dos Anjos”. Sem querer se identificar, ela não conseguia nem conversar direito. O rosto silencioso mantinha a expressão dura de quem tinha tristeza e indignação em igual medida. Balbuciou apenas: “Ela era minha amiga”.

“Sororidade” é um termo que explica parceria entre duas ou mais mulheres. A cientista social Márcia Gori define a palavra Sororidade como “um pacto de fraternidade entre as mulheres que se reconhecem irmãs. É aliar-se, partilhar e principalmente mudar (e mudar-se)”, diante de uma sociedade por vezes machista e opressora, onde as mulheres sofrem o principal impacto de serem obrigadas a uma fragilidade institucionalizada. As mulheres da Cidade dos Anjos podem nem saber, mas a Sororidade moveu o protesto delas, unida à dor da perda de uma mulher de forma injusta e extremamente desumana, e o cansaço pela violência que castiga mais um bairro da Capital. Esse foi um protesto de mulheres, que gritaram e bateram panela na frente da polícia, sem se deixar intimidar. Seus gritos eram pelas crianças da comunidade, pelo tiroteio que elas diziam ter acontecido na semana passada, pelos assaltos, pela morte de Juliana e de outras mulheres pelas mãos dos maridos, parceiros, namorados. “Ele vai botar fogo na favela”, disse a costureira Alessandra Vera Santos, de 25 anos. “Eu sou mãe de três filhos, a Juliana era mãe de três filhos, um deles ainda mamava no peito”. Ao falar diretamente sobre a vítima, os olhos marejaram e a voz sumiu.

Em um canto debaixo do toldo de um comércio, a irmã de Juliana, Ana Paula da Silva Fernandes, de 22 anos, havia caído no chão e era acalmada por moradores. Gestante, ela não conseguia parar de chorar e balbuciava que durante todo o dia, o assassino da irmã havia ligado para ameaçar não somente ela e os filhos, mas a comunidade. Eles estavam com medo de voltar para casa. “Nós viemos direto do velório para cá. Foram os moradores que fizeram o protesto, a gente nem tava sabendo. Não aguentamos mais essa situação, tá todo mundo com medo”, disse o marido de Ana Paula, Alex Figueiredo da Silva, de 22 anos. Não havia homens batendo panelas ou jogando caixotes no fogo, só as mulheres foram para o meio da rua. E uma delas, quando percebeu que a Polícia Militar se aproximava com uma escopeta e um escudo de choque, sentiu medo mas não retrocedeu. Mariana dos Santos era uma das vozes mais altas, que falou para os policias: “Nós ligamos para vocês e vocês riram da gente. Estavam ali na beira da calçada rindo. Uma mãe de família morreu. E vocês falaram que iam prender a gente por estar aqui”.

A voz dela deve ter se feito presente, pois logo um dos policiais a chamou para conversar. A imprensa não pôde se aproximar, mas após a conversa ela reuniu os presentes e encerrou o protesto. O Corpo de Bombeiros já havia apagado as chamas, e ela apenas frisou: “Não acaba aqui”. Os moradores rapidamente retrocederam pelo bairro, e as chamas apagadas se somaram ao pranto das mulheres, dessa vez silenciosas mas não caladas.

Fonte: Mídia Max


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