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Entenda porque revogar a Lei de Alienação Parental é importante para mulheres e crianças

A Lei de Alienação Parental (LAP), Lei 12.318/10, está sendo utilizada de forma equivocada no Brasil, tornando-se uma ferramenta de discriminação contra as mulheres e favorecendo pais agressores, que em muitos casos respondem processos por violência doméstica e até abuso sexual. Diante dessa realidade, foi elaborada uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) que busca a revogação da Lei de Alienação Parental. 

A Ação foi desenvolvida pela Associação Nacional de Advogadas pela Igualdade de Gênero (AAIG), na qual a advogada e sócia da Themis Rúbia Abs Cruz* faz parte. A ADI 6273 foi recentemente ajuizada no Supremo Tribunal Federal (STF) com pedido de medida liminar contra a LAP.

Rúbia explica sobre as problemáticas que a aplicação da LAP está tendo e a importância dela ser revogada. Confira abaixo a entrevista. 

 O que é alienação parental e por que busca-se a revogação da Lei 12.318/10 que fala sobre o tema no Brasil?

O Artigo 2º da LAP define alienação parental como “a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.”

No Parágrafo único diz que “são formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com o auxílio de terceiros”

Entretanto, existem muitos problemas em especial no que se refere no Inciso VI do artigo 2º que diz  que “apresentar falsa denúncia contra o genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente.”  

Esse artigo tem possibilitado que homens agressores consigam obter a reversão da guarda em seu favor, pois é muito difícil comprovar a violência sexual contra crianças e adolescentes e processo de alienação parental tem prioridade enquanto os de violência, não.

No artigo 6º buscam caracterizar atos de alienação parental como: 

I – declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador; 

II – ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado; 

III – estipular multa ao alienador; 

IV – determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial; 

V – determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão; 

VI – determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente; 

VII – declarar a suspensão da autoridade parental. 

Os incisos grifados são os que o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) se manifestou quanto a sua revogação, por exemplo. 

Se busca a revogação da Lei e também a sua Inconstitucionalidade na ADI 6273 porque a Lei é discriminatória  e inconstitucional, pois não tem uma lente de gênero ou de violência de gênero do problema no âmbito doméstico e familiar e especialmente porque tem violado os direitos das crianças e dos adolescentes.

De que forma as mulheres são prejudicadas com essa Lei  e por que ela representa uma violação aos direitos das mulheres? 

Novas formas de violência contra as mulheres e crianças têm surgido em nossa sociedade, sendo a alienação parental uma destas formas que tem discriminado mulheres e crianças, pois não raro, mães perdem a guarda dos filhos e filhas, e em situações graves perdem até mesmo o direito de visitas quando denunciam maus tratos, negligências ou violências sexuais cometidas pelos pais, que são muitas vezes de difícil comprovação. Sendo as crianças as principais vítimas desse novo formato de proteção legal que muitas vezes as violenta quando retira a guarda de quem sempre a protegeu e cuidou. No âmbito do Poder Judiciário, essa discriminação e valorização por vezes excessiva em relação ao contato paterno, tem como base a Lei da Alienação Parental. Desconsiderando ser o pai, violador de direitos materno, da criança e por vezes até tendo condenação criminal. Esses fatos são desconsiderados, estando o contato paterno garantido, acima desses problemas. 

Em uma denúncia de violência sexual, muitas vezes a situação se reverte em favor do violador, por vezes com apoio de laudos que nem sempre são específicos em relação à violência (a lei prevê laudos sobre alienação parental somente) cuja produção de prova é indubitavelmente mais complexa e acaba por fomentar a discussão sobre a alienação parental, como consequência à dificuldade de comprovar a prática da violência, refletindo, uma apropriação cultural patriarcal, que visa desconstruir a figura feminina no processo, em verdadeira inversão de valores, pois, por vezes, seria o caso de discutir a perda do poder familiar paterno, para além do direito de visitas.

Nos contextos de violência, a criminalização não é imediata, considerando o funcionamento das nossas instituições, as provas aceitas e a legislação existente. A constituição de provas em delitos dessa natureza é extremamente difícil, haja vista que os autores de tais crimes os cometem com o maior grau de sigilo e com uso de ameaças à própria criança. E a acareação não é medida salutar nesses contextos. Além disso tudo, a palavra das mulheres é frequentemente colocada em dúvida e sua sanidade mental questionada.

A comunidade internacional reconhece em países menos desenvolvidos, a cultura da naturalização da violência, métodos ineficazes de proteção a vítima, ambiente discriminatório e justiça morosa, o que promove verdadeiro desequilíbrio social, pois impossibilita a produção de provas evidentes sobre o fato criminoso, dando ensejo ao in dubio pro reo. O que não significa não ter ocorrido violência, mas demonstra a ineficiência do método utilizado, o ambiente sociocultural e o pré-conceito advindos dos profissionais envolvidos e influenciam no resultado. 

Enquanto os Tribunais exigem das vítimas materialidade de provas sobre a certeza da denúncia de violências e abusos sexual, o mesmo não ocorre na acusação de alienação parental, promovendo evidente desigualdade. A dificuldade da prova por ineficiência do sistema, não deve ensejar a responsabilidade automática por suposta falsa denúncia, já que a comunicação dos fatos é um dever estabelecido no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA). A propósito, quando a mãe descobre a violência e não formula a denúncia ao Poder Judiciário é considerada “conivente”, ao passo que se há a denúncia e a prova torna-se excessivamente difícil de ser obtida, nos moldes exigidos pelas defesas e pelos Tribunais, a mãe acaba condenada pela alienação parental. É um paradoxo.

Qual o papel da Themis quanto a ADI 6273

A ADI busca a inconstitucionalidade da Lei seja pelo seu não caráter científico enquanto síndrome ou doença e especialmente pela discriminação em relação as mulheres e violação de direitos das crianças. E sendo a Themis uma organização feminista que se preocupa com as violências de gênero em nossa sociedade e com expertise no assunto, é importantíssima a apresentação de Amicus, assim como fez da ADC 19 quando obteve êxito e a Lei Maria da Penha foi considerada constitucional, justamente devido a longo caminho que existe entre o direito formal e o direito material.

 

*Advogada – OAB/RS 40.946, Especialista em Sistema ONU e OEA pela Universidade do Chile e American University College of Law em Whashington. Mestre em Direitos Humanos pela Uniritter Laureate International University, Integrante do CLADEM Brasil – Comitê Latino Americano e do Caribe em Defesa dos Direitos da Mulher, Conselheira Diretora Themis, Gênero Justiça e Direitos Humanos. Currículo Lattes: ttp://lattes.cnpq.br/0980418590049427

 


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