Há 25 anos na defesa e promoção dos direitos das mulheres

Consórcio Lei Maria da Penha elabora nota técnica sobre competência híbrida dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar

 

Confirma, a seguir, a íntegra da nota técnica referente à competência plena dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar prevista na Lei Maria da Penha e às modificações introduzidas pela Lei Lei 13.894/ 2019[1]

A Lei Maria da Penha preconizou a competência ampla do Juizado de Violência Doméstica e Criminal para julgamento e execução de causas cíveis e criminais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, para dar resposta a todas as formas de violência previstas na legislação e que tenham sido praticadas contra as mulheres  no âmbito da unidade doméstica, no âmbito da família e em qualquer relação íntima de afeto[2].

Denominada “competência híbrida” a medida tem previsão no artigo 14 da Lei Maria da Penha segundo o qual: “os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.”

O artigo 33, por sua vez, introduz como disposição transitória, que “enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as varas criminais acumularão as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar.”

Como organização das competências no âmbito da organização judiciária, esse tipo de previsão não representa uma inovação e guarda relação com outras previsões no ordenamento jurídico brasileiro. Nas comarcas de entrância inicial, por exemplo, a cumulação de competência (Penal, Civil, Eleitoral, Ambiental etc.) ocorre como regra. Também nas comarcas de entrância especial, os juízos cíveis são residuais[3].

Conforme se procura argumentar nesta Nota Técnica, tratando-se de uma legislação especial para o enfrentamento a violência de gênero contra as mulheres, a previsão da competência cível e criminal não deve ser compreendida apenas como aspecto da organização e/ou administração da justiça, mas é condição relacionada com a qualidade da resposta judicial e as garantias de acesso à justiça para as mulheres.

Importa salientar que, alinhada com as recomendações dos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos, a Lei Maria da Penha considera a violência doméstica e familiar contra as mulheres como violência baseada no gênero (art. 5º) e uma das formas de violação de direitos humanos (Art.6º). Com essa definição, a legislação reitera entendimentos de que a violência doméstica e familiar é um problema social e não individual, que afeta gravemente a capacidade das mulheres de gozarem de direitos e é um dos meios pelos quais as posições subordinadas das mulheres em relação aos homens e seus papéis estereotipados são reproduzidos[4].

No caso do Brasil, os padrões de opressão do racismo e sexismo se cruzam e modulam as dinâmicas desse tipo de violência, gerando consequências mais agravadas de desigualdades e discriminações para mulheres que estão fora do perfil de mulheres brancas, cisgênero, heterossexuais, residentes em capitais ou grandes centros urbanos, sem deficiência e pertencentes a camadas sociais médias e altas.

Por ser fenômeno complexo, seu enfrentamento requer respostas abrangentes e integradas, para além de ações específicas direcionadas às mulheres que vivem situações de violência e às pessoas agressoras. O uso da categoria gênero na análise dos casos, de modo associado às categorias de raça e etnia e sob a perspectiva de direitos humanos, tal como previsto na Lei, permite explicitar como o ambiente doméstico e familiar não tem sido, historicamente, um espaço seguro para as mulheres[5] e como as políticas de enfrentamento a esse tipo de violência têm falhado, sistematicamente, para a proteção da vida e dos direitos, sobretudo, das mulheres negras, racializadas e periféricas. Também, que a violência doméstica e familiar contra as mulheres tem se manifestado de modo articulado a outras formas de violência e discriminação contra as mulheres, nos espaços públicos e privados, de modo a inviabilizar, constantemente, a realização dos ideários de ampliação da democracia e de afirmação dos princípios expressos no art. 3º, IV e no art. 5º, caput e I na Constituição Federal[6].

O reconhecimento da centralidade dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar com competência plena como parte essencial para alcance dos fins sociais aos quais a lei se destina encontra-se em todo o processo de discussão e elaboração do texto legislativo desde suas primeiras versões, como se observa no PL n. 4559 de 3 de dezembro de 2004 e sua exposição de motivos apresentada pelo Poder Executivo na entrega da proposta à Câmara dos Deputados, quando se lê:

  1. Como objetivo mediato, propõe a criação de Varas e Juizados Especiais da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, com competência cível e penal, reconhecendo que a melhor estrutura judiciária, para o atendimento à mulher em situação de violência, será a criação dessas Varas e Juizados Especiais.

A proposta foi mantida no Substitutivo apresentado pela Deputada Jandira Feghali com a recomendação de

Criação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, com novo procedimento, autoridade do juiz dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, com competência para os processos cíveis e criminais[7].

 

A medida é parte do que Campos[8] denomina como “giro paradigmático” com o qual, por um lado, a aplicação da nova legislação passa a demandar uma atuação do sistema de justiça que não se limite à penalização da violência, mas compreenda seus efeitos para a vida das mulheres e de seus familiares, contribuindo de forma rápida e efetiva para que possam romper com as situações de violações de direitos no contexto de relações violentas. Por outro lado, exige a revisão de padrões e procedimentos que muitas vezes são amparados por juízos de valor e estereótipos de gênero[9] e estereótipos raciais e étnicos[10],  que são, eles próprios, revitimizantes e violadores de direitos.

O contexto de apresentação do PL 4559/2004 era da aplicação da Lei 9099/95 amplamente criticada pela classificação da violência doméstica como de “menor potencial ofensivo”, cuja resposta judicial se limitava a transações penais por cestas básicas ou pagamentos de multas cujos valores eram irrisórios. Essa preocupação foi explicitada na Exposição de Motivos do  PL 4559/2004:

  1. O atual procedimento inverte o ônus da prova, não escuta as vítimas, recria estereótipos, não previne novas violências e não contribui para a transformação de relações hierárquicas de gênero. Não possibilita vislumbrar, portanto, nenhuma solução social para a vítima. A política criminal produz uma sensação generalizada de injustiça, por parte das vítimas, e de impunidade, por parte dos agressores.

Nesse sentido, a propositura de nova legislação deveria trazer a previsão da garantia de acesso à justiça para as mulheres em situação de violência doméstica e familiar que fosse efetivado por meio de um sistema de justiça capaz de superar os modelos tradicionais de resposta considerando que:

  1. As atuais Varas, por não terem um atendimento urgente e global, tem colocado a mulher e sua família em situação de risco. Além das medidas penais a serem impostas, há medidas cíveis a serem julgadas. Com a criação das Varas com competência cível e penal, será outorgada ao juiz maior competência para julgar essas causas e facilitado às mulheres o acesso à justiça e a solução dos conflitos[11].

Após 14 de anos de aprovação da Lei Maria da Penha, a competência híbrida dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar continua sendo um desafio a ser superado pelo Sistema de Justiça para a implementação integral dessa legislação que é tão festejada no país e tem o reconhecimento internacional de sua importância. Até onde é possível conhecer, apenas os Tribunais de Justiça dos Estados do Pará,  Paraná e Mato Grosso adotaram medidas para cumprir com a previsão legal da competência híbrida, havendo poucos estudos (OBSERVE, 2010, CNJ, IPEA, 2020) que tenham se debruçado sobre seu modo de organização e funcionamento levando em consideração as especificidades previstas na Lei .

A aprovação da Lei 13.894 de 29 de outubro de 2019, que incide sobre a competência cível dos juizados e varas de violência doméstica e familiar, trouxe à tona a preocupação com as alterações na Lei Maria da Penha que provocam distanciamento de seu projeto político original[12] e chamou a atenção sobre a forma como o Poder Judiciário tem aplicado a legislação. Se, para alguns segmentos do sistema de justiça, a mudança legislativa demonstra o reconhecimento sobre a necessidade de implementar a competência híbrida, não há dúvidas de que também evidenciou as disputas de narrativas entre segmentos do Poder Judiciário, de outros atores do sistema de justiça e da sociedade civil organizada sobre a violência de gênero contra as mulheres e a resposta judicial esperada para sua solução[13].

Para contribuir com esse debate, o Consórcio Lei Maria da Penha pelo Enfrentamento a todas as Formas de Violência de Gênero contra as Mulheres – grupo formado pelas ONGs Feministas CEPIA, CFEMEA, CLADEM, THEMIS, ativistas e pesquisadoras que atuam em defesa dos direitos das mulheres – elaborou a presente Nota Técnica sobre a importância dos juizados com competência cível e criminal para o enfrentamento à violência doméstica e familiar contra as mulheres.

 

  1. Fundamentos jurídico-normativos da competência híbrida prevista na Lei Maria da Penha

 

  1. 1 Violência doméstica e familiar contra as mulheres como violação de direitos humanos

A Lei Maria da Penha considera a violência doméstica e familiar contra as mulheres uma violação de direitos humanos. Por isso a boa interpretação e implementação deve buscar apoio no direito internacional dos direitos humanos, em especial, no desenvolvimento dogmático e jurisprudencial referentes ao princípio da igualdade e não discriminação (CEDAW), ao direito a uma vida livre de todo tipo de violência (Convenção de Belém do Pará) e ao dever de devida diligência por parte dos Estados Partes para prevenir, investigar, sancionar e reparar a violência doméstica e familiar contra as mulheres (Convenção de Belém do Pará).

A omissão por parte dos poderes públicos em adotar todas as medidas apropriadas para enfrentar esse tipo de violência é considerada uma forma de discriminação contra as mulheres. Isso significa que os Estados Partes comprometem sua responsabilidade internacional ao não adotar todas as medidas necessárias para prevenção, investigação, sanção e reparação desse tipo de violência perpetrada por agentes privados.

 

1.2 As garantias de acesso à justiça para mulheres

No âmbito do sistema global, a obrigação dos Estados Partes em buscar, por todos os meios adequados e sem demora, uma política de eliminação da violência de gênero contra as mulheres é de natureza imediata, de modo que atrasos na sua realização não podem ser justificados por nenhum motivo, incluindo fatores econômicos, culturais ou religiosos[14]. Além de políticas, leis e programas voltados a tal objetivo, os Estados Partes devem assegurar a todas as mulheres o acesso à informação sobre seus direitos e sobre os remédios disponíveis para elas[15]. Devem assegurar, também, serviços jurídicos competentes, eficazes e sensíveis a gênero para o enfrentamento à violência contra as mulheres, implementando medidas para erradicar preconceitos, estereótipos e práticas discriminatórias perpetradas por atores estatais e não estatais. Ainda, têm de assegurar acesso igualitário a remédios efetivos e oportunos, sem impor carga financeira, burocrática ou pessoal indevida às mulheres em situação de violência, vítimas ou sobreviventes[16].

A Recomendação Geral n. 33 do Comitê CEDAW trata, especificamente, das obrigações dos Estados Partes no que se refere ao direito de acesso à justiça para as mulheres o qual é composto por seis componentes inter-relacionados e essenciais:

  1. a) Justiciabilidade requer o acesso irrestrito das mulheres à justiça, bem como a capacidade e o empoderamento para reivindicar seus direitos estabelecidos na Convenção enquanto titulares desses direitos;
  2. b) Disponibilidade exige o estabelecimento de tribunais, órgãos quase judiciais ou outros por todo o Estado parte, em áreas urbanas, rurais e remotas, bem como sua manutenção e financiamento;
  3. c) Acessibilidade requer que todos os sistemas de justiça, tanto formais como quase judiciais, sejam seguros, econômica e fisicamente acessíveis às mulheres, e sejam adaptados e apropriados às suas necessidades, incluindo as mulheres que enfrentam formas interseccionais ou compostas de discriminação;
  4. d) Boa qualidade dos sistemas de justiça requer que todos os componentes dos sistemas e ajustem aos estândares internacionais de competência, eficiência, independência e imparcialidade e proporcionem, em tempo oportuno, remédios apropriados e efetivos que levem à resolução de disputas sustentável e sensível a gênero para todas as mulheres. Requer também que os sistemas de justiça sejam contextualizados, dinâmicos, participativos, abertos a medidas práticas inovadoras, sensíveis a gênero, e levem em consideração as crescentes demandas por justiça pelas mulheres;
  5. e) Provisão de remédios requer que os sistemas de justiça ofereçam às mulheres

proteção viável e reparação significativa por quaisquer danos que elas possam sofrer; e

  1. f) Prestação de contas dos sistemas de justiça é assegurada através do monitoramento para garantir que funcionem em conformidade com os princípios de justiciabilidade, disponibilidade, acessibilidade, boa qualidade e provisão de remédios. A prestação de contas dos sistemas de justiça também se refere ao monitoramento das ações dos profissionais do sistema de justiça e de sua responsabilidade jurídica nos casos em que eles violam a lei.

 

1.3. Dever de Devida Diligência na prevenção, investigação, sanção e reparação da violência doméstica contra as mulheres

No sistema interamericano de direitos humanos, a obrigação dos Estados em atuarem com a devida diligência diante de violações de direitos humanos é derivada, em primeiro lugar, da obrigação genérica de garantias judiciais e proteção judicial dos direitos humanos estabelecida na Convenção Americana de Direitos Humanos. De acordo com o artigo 25 da Convenção Americana de Direitos Humanos, artigo 25:

Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais.

Os Estados-Partes estão obrigados, por esse dispositivo, a garantir recursos judiciais efetivos às vítimas de violação de direitos humanos, em conformidade com as regras do devido processo legal (artigo 8.1).

O dever de devida diligência foi abordado, pela primeira vez, na Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) na sentença dada no Caso Velásquez Rodríguez[17]. De acordo com a Corte, dentre os deveres básicos contemplados em tal princípio está a obrigação dos Estados em respeitar e garantir os direitos reconhecidos na Convenção, com a imposição de limites à função pública, eis que os direitos humanos são atributos inerentes à dignidade humana e superiores ao Estado. Está, também, o dever de organização de todo o aparato estatal e todas as estruturas através dos quais se manifesta o exercício do Poder Público, de maneira tal que sejam capazes de assegurar juridicamente o livre e pleno exercício dos direitos humanos. Neste mesmo caso[18], a Corte IDH estabeleceu que toda investigação deve:

ser levada a sério e não como uma simples formalidade previamente condenada a ser infrutífera. Deve ter um sentido e ser assumido pelo Estado como dever jurídico próprio e não como simples gestão de interesses privados, que depende da iniciativa processual da vítima ou de seus familiares ou da contribuição privada de elementos probatórios, sem que a autoridade pública busque efetivamente a verdade

A observância a um rito processual adequado, portanto, é garantia essencial da plena realização do direito de petição, de acesso ao Poder Judiciário e à ampla defesa e de não cerceamento de defesa. A definição do rito processual adequado deve levar em consideração a matéria a ser abordada e as condições materiais dos sujeitos destinatários da norma protetiva.

Como obrigação especial, o dever de devida diligência na prevenção, investigação, sanção e reparação da violência contra as mulheres está previsto na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará), em seu artigo 7.b. O mesmo artigo também prevê a obrigação dos Estados em estabelecer procedimentos jurídicos justos e eficazes para a mulher em situação de violência, inclusive, entre outros, medidas de proteção, juízo oportuno e efetivo acesso a tais processos (art. 7, f).

O Caso Maria da Penha vs. Brasil[19] é paradigmático no sistema interamericano de direitos humanos exatamente por abordar o dever especial de devida diligência para prevenir, investigar, sancionar e reparar a violência contra as mulheres. De acordo com a Comissão IDH: “a demora judicial e a prolongada espera para decidir recursos de apelação demonstra uma conduta das autoridades judiciais que constitui uma violação do direito a obter o recurso rápido e efetivo estabelecido na Declaração e na Convenção”. A inefetividade judicial, além de discriminatória, cria um ambiente que facilita a violência doméstica ao não produzir evidências, socialmente percebidas, da vontade do Estado no enfrentamento à violência contra as mulheres.

Sobre as consequências da ineficácia judicial em casos de violência contra as mulheres, a jurisprudência da OEA tem reiterado[20] que:

la ineficacia judicial frente a casos individuales de violencia contra las mujeres propicia un ambiente de impunidad que facilita y promueve la repetición de los hechos de violencia en general y envía un mensaje según el cual la violencia contra las mujeres puede ser tolerada y aceptada, lo que favorece su perpetuación y la aceptación social del fenómeno, el sentimiento y la sensación de inseguridad de las mujeres, así como una persistente desconfianza de estas en el sistema de administración de justicia. Dicha ineficacia o indiferencia constituye en sí misma una discriminación [de la mujer] en el acceso a la justicia (Corte IDH, 2014, Caso Veliz Franco y otros vs. Guatemala, p. 208).

Encontra-se, nos sistemas global e interamericano, a obrigatoriedade de que as medidas para a prevenção, investigação, sanção e reparação da violência de gênero contra as mulheres estejam centradas nas vítimas ou sobreviventes, reconhecendo as mulheres como sujeitos de direitos, promovendo sua autonomia e participação. Os direitos e reivindicações das pessoas agressoras relativos, por exemplo, à propriedade, privacidade, guarda e visita a crianças, em disputas judiciais, “devem ser determinados à luz da proteção aos direitos humanos relacionados à vida e à integridade física, sexual e psicológica das mulheres e das crianças[21]”.

Ainda, o dever de devida diligência contempla a necessidade dos Estados Partes assegurarem serviços e abordagens de enfrentamento à violência de gênero contra as mulheres e de considerar as formas múltiplas e interseccionais de discriminação que as afetam e geram impactos negativos agravados, em razão de fatores como raça/etnia, cor, status socioeconômico e/ou casta, língua, religião ou crença, opinião política, nacionalidade, estado civil e/ou maternal, idade, localização urbana/rural, estado de saúde, deficiência, propriedade, ser lésbica, bissexual, transexual ou intersexual, analfabetismo, busca de asilo, ser refugiada, deslocamento interno, apatridia, migração, chefia de família, viuvez, conviver com HIV/AIDS, privação de liberdade, estar na prostituição, assim como tráfico de mulheres, situações de conflito armado, distanciamento geográfico e estigmatização das mulheres que lutam por seus direitos, incluindo defensoras de direitos humanos. De acordo com a Recomendação Geral n. 35 do Comitê CEDAW, parágrafo 13,

Como as mulheres experimentam formas de discriminação diferentes e cruzadas, que geram impacto negativo agravante, o Comitê reconhece que a violência de gênero pode afetar algumas mulheres em diferentes graus, ou de maneiras diferentes, o que significa que são necessárias respostas legais e políticas adequadas.

No Caso Alyne da Silva Pimentel Teixeira vs. Brasil, o Comitê CEDAW reconheceu a existência de discriminação interseccional no acesso à justiça e ao direito à saúde por parte do Estado brasileiro.  O Comitê enfatizou que “a discriminação contra a mulher baseada no sexo e no gênero está indissociavelmente ligada a outros fatores que afetam as mulheres, como raça, etnia, religião ou crença, saúde, status, idade, classe, casta, orientação sexual e identidade de gênero”. Exigiu do Brasil que ele cumprisse sua obrigação “de assegurar proteção judicial efetiva e de providenciar recursos judiciais adequados[22]. A ineficácia judicial em casos de violência interseccional contra as mulheres também foi reconhecida pela Corte IDH no Caso Favela Nova Brasília vs. Brasil[23].

A previsão, portanto, na Lei Maria da Penha da competência híbrida (civil e penal) no funcionamento dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher[24] (JVDFMs) ou nas unidades de justiça comuns responsáveis por conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra as mulheres[25] é a principal característica do desenho institucional trazido pela LMP e, derivada do controle de convencionalidade, é condição indispensável para a garantia da tutela judicial efetiva e integral aos direitos das mulheres e para o cumprimento do dever de devida diligência para prevenir, investigar, sancionar e reparar a violência doméstica contra as mulheres.

Essa previsão na Lei Maria da Penha visou responder ao reconhecimento reiterado por parte da CIDH de que o Poder Judiciário brasileiro não garantia a tutela judicial devida aos direitos das mulheres em situação de violência doméstica e familiar. No Caso Maria da Penha Maia Fernandes, a CIDH concluiu em seu relatório que o Estado Brasileiro violou os direitos às garantias judiciais e proteção judicial assegurados pelos artigos 8º e 25 da Convenção Americana de DH e pelo artigo 7º da Convenção de Belém do Pará. Além das recomendações reparatórias endereçadas à Maria da Penha, a Comissão recomendou a adoção de medidas, em âmbito nacional, para eliminar a tolerância estatal e o tratamento discriminatório em relação à VDFM, entre as quais, a “capacitação e sensibilização dos funcionários judiciais e policiais especializados para que compreendam a importância de não tolerar a violência doméstica” e a simplificação dos “procedimentos judiciais penais a fim de que possa ser reduzido o tempo processual, sem afetar os direitos e garantias de devido processo”[26].

Ela também garante cumprimento à regra da conexão, prevista no Código de Processo Civil Brasileiro, que assegura a modificação de competência “quando comum o pedido ou a causa de pedir entre duas ou mais ações ou “quando houver risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias[27]. Nos casos de VDCM, a conexão se dá pela identidade da causa de pedir ou pelo risco de decisões conflitantes nas esferas cíveis e penais.

Na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) n. 19/2012, o Supremo Tribunal Federal entendeu pela constitucionalidade do art. 33 da LMP, no que se refere à cumulação de competências cível e penal nas varas judiciais:

Por meio do artigo 33 da Lei Maria da Penha, não se criam varas judiciais, não se definem limites de comarcas e não se estabelece o número de magistrados a serem alocados aos Juizados de Violência Doméstica e Familiar, temas evidentemente concernentes às peculiaridades e às circunstâncias locais. No preceito, apenas se faculta a criação desses juizados e se atribui ao juízo da vara criminal a competência cumulativa das ações cíveis e criminais envolvendo violência doméstica contra a mulher, ante a necessidade de conferir tratamento uniforme, especializado e célere, em todo território nacional, às causas sobre a matéria. O tema é, inevitavelmente, de caráter nacional, ante os tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil e a ordem objetiva de valores instituída pela Carta da República[28].

O Superior Tribunal de Justiça tem reiterado, também, seu entendimento acerca da obrigatoriedade de que a competência híbrida seja implementada como regra nos casos de violência doméstica contra as mulheres:

A amplitude da competência conferida pela Lei n. 11.340/2006 à Vara Especializada tem por propósito justamente permitir ao mesmo magistrado o conhecimento da situação de violência doméstica e familiar contra a mulher, permitindo-lhe bem sopesar as repercussões jurídicas nas diversas ações civis e criminais advindas direta e indiretamente desse fato. Providência que, a um só tempo, facilita o acesso da mulher, vítima de violência doméstica, ao Poder Judiciário, e confere-lhe real proteção. Assim, se afigura absolutamente consonante com a abrangência das matérias outorgadas à competência da Vara Especializada da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher o deferimento de medida protetiva de alimentos, de natureza cível, no âmbito de ação criminal destinada a apurar crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher. (…) Compreensão diversa tornaria inócuo o propósito de se conferir efetiva proteção à mulher, em situação de hipervulnerabilidade. (RHC 100.446-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, por unanimidade, julgado em 27/11/2018, DJe 05/12/2018)[29].

Nessa linha, o STJ já reconheceu competência das varas especializadas em VDFM em temática de guarda de filhos, alimentos e divórcio[30], tendo em vista a necessidade de se “conferir tratamento uniforme, especializado e célere, em todo território nacional, às causas sobre a matéria”[31].

 

  1. Balanço sobre as ações e políticas judiciárias para a implementação da LMP: o não-lugar da competência híbrida

 

Após 14 anos de criação da Lei Maria da Penha, as unidades judiciárias com competência híbrida para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra as mulheres não saíram do papel. Nesse período a  implementação da Lei suscitou inúmeros estudos e iniciativas de monitoramento pelo governo federal através da Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM), do Ministério da Justiça, pelo Tribunal de Contas da União (TCU), no Congresso Nacional, através da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA),

As conclusões desses trabalhos demonstraram, de maneira geral,  a convivência entre avanços na implementação da LMP e resistências, especialmente no engajamento dos Tribunais de Justiça na estruturação das unidades judiciárias especializadas, somando-se à resistência de juízes e juízas que mantiveram uma interpretação restrita na lei, conforme demonstrado pelo estudo CNJ/IPEA (2019).

Com relação às  unidades judiciárias especializadas (JVDFMs), de acordo com o CNJ, até 2020 foram criadas 139 unidades[32], a maioria localizada em capitais e/ou regiões metropolitanas e com competência exclusivamente penal[33].  Além disso, sua distribuição é desigual no território nacional, com 44 unidades especializadas localizadas na região Sudeste e outras  31 na região Centro-Oeste. Em quatro unidades da federação  – Piauí, Rondônia, Santa Catarina e Sergipe – encontram-se apenas uma unidade especializada situada nas capitais. No restante do Brasil, os casos de VDCM são processados em varas criminais ou em varas comuns de feito geral, sem competência cível.

Um dos diferenciais dessas unidades especializadas, as equipes multidisciplinares, existem em quantidade insuficiente ou são inexistentes. De acordo com o Painel de Monitoramento da Política Judiciária, existem apenas 78 equipes multidisciplinares exclusivas, formadas por 322 profissionais, a maior parte psicólogas e assistentes sociais.

Ainda tratando dessas equipes multidisciplinares, a pesquisa do  CNJ/IPEA[34] mostrou que sua presença não é garantia de qualidade no atendimento às mulheres e a seus familiares, nem de melhoria na compreensão da situação de violência por parte de juízes e juízas. Conforme o documento, a participação dessas equipes no cotidiano dos juizados depende diretamente do perfil de juízes e juízas e seu entendimento sobre a Lei Maria da Penha. A partir de entrevistas e da observação do funcionamento das varas e juizados em 12 localidades, a pesquisa construiu uma tipologia que classifica esses operadores como comprometidos/as, moderados/as e resistentes:

(..) o perfil do/a magistrado/a no que concerne à compreensão e ao envolvimento com o tema direciona, de um lado, sua atuação (e da vara) nos aspectos processuais, ou seja, a concessão de medidas protetivas, os critérios para considerar um caso como objeto da LMP, o reforço ou não aos estereótipos de gênero em sua atuação, o espaço de voz concedido às partes e o peso relativos dos diferentes elementos processuais; de outro, informa sua atuação institucional em termos da adesão aos cursos de capacitação, do grau de envolvimento com outros órgãos da rede e da compreensão sobre a coordenação da política judiciária de atendimento às mulheres vítimas de VDFM[35].

A falta de padronização para o funcionamento dos juizados/varas de violência doméstica e familiar tem reflexos na compreensão sobre qual seria a forma mais adequada de implementação da competência híbrida para o pleno funcionamento dessas unidades. Como afirma Lima[36], a competência criminal na Lei Maria da Penha não parece suscitar dúvidas, havendo maiores divergências com relação à competência cível. De acordo com Alice Bianchini é possível identificar, entre juízes e juízas, pelo menos três correntes de interpretação a respeito da competência cível: 1) as unidades especializadas têm competência apenas para as medidas protetivas cautelares (afastamento do agressor, proibição de contato etc.), 2) a competência híbrida abrange também as medidas de natureza cível, como os alimentos provisionais, guarda provisória etc.; 3)  a competência deve ser ampliada para atender a toda a necessidade de intervenção judicial que esteja relacionada à situação de violência doméstica e familiar que afete a mulher e seus familiares.[37]

Ainda de acordo com a advogada, o primeiro modelo corresponde a uma visão mais restritiva sobre a legislação, enquanto o segundo modelo é o mais comumente encontrado não apenas nas unidades especializadas, mas também naquelas não especializadas e que aplicam a Lei Maria da Penha. Isso porque, a aplicação das medidas protetivas com natureza cautelar é facilmente reconhecida como parte de medidas para a proteção da integridade física das mulheres e preservação emergencial de direitos.

Embora essa seja importante a medida não evita que a mulher tenha que buscar a solução definitiva para os conflitos relacionados à violência doméstica em outras instâncias judiciais. Nesse sentido, embora esse entendimento esteja, como afirma Bianchini, mais próximo da função social em garantir proteção imediata à mulher, está ainda distante daquele que seria o  propósito inicial da Lei que, nas palavras de Castilho[38] “teve o objetivo de reduzir esse sofrimento [da mulher em situação de violência], conferindo a um único juízo competência ampla para conhecer da situação de violência e aplicar as medidas cíveis e/ou criminais necessárias para cessar a violência e dar uma resposta para as mulheres e filhos/as.”

Com relação ao terceiro modelo, no qual a competência híbrida se aplicaria integralmente, em 14 anos de aplicação da Lei Maria da Penha são conhecidas apenas duas experiências implementadas pelos Tribunais de Justiça do Mato Grosso e o Tribunal de Justiça do Pará.

A 1ª e 2ª Varas de Violência Doméstica e Familiar de Cuiabá entraram em funcionamento em 22 de setembro de 2006[39]. Sua instalação foi precedida por um estudo realizado por Grupo de Trabalho criado no Tribunal de Justiça do Mato Grosso que revisou a legislação à luz das recomendações internacionais e estabeleceu todas as medidas necessárias para que a implementação das novas unidades judiciárias ocorresse de forma compatível com as recomendações da lei nacional. A competência híbrida fez parte da legislação que criou as novas unidades, garantindo aos juízes e juízas titulares a competência para o julgamento e execução relativa à parte criminal e cível relacionadas à violência e seus efeitos na vida da mulher e seus familiares. A previsão se estende aos crimes contra a vida com a competência para a fase de instrução e corresponde decisão de pronúncia nos processos hoje tipificados como feminicídio de acordo com a Lei 13.104/2015, art 121, § 2º, VI, § 2A, I que prevê a violência doméstica e familiar como razão para a prática desse crime. [40]

No Pará, duas Varas Especializadas de Violência Doméstica e Familiar com competência híbrida foram implementadas em 2006 na capital. Nesse caso, a competência foi expandida para o julgamento e execução dos crimes contra a vida nos casos de violência doméstica e familiar. A alteração foi possível graças à inclusão na legislação de competência de tribunal de júri nessas varas especializadas. O modelo unicamente implementado no Pará foi alterado em 2014, quando a competência para julgamento dos crimes contra a vida foi limitada à fase de instrução e decisão da pronúncia.[41]

Esse cenário caracterizado por tantas desigualdades nas condições de funcionamento dos serviços e de entendimentos acerca da aplicação da Lei Maria da Penha resulta de um quadro mais amplo de ações e políticas judiciárias em torno do tema caracterizadas ao longo desse período por demoras, ambiguidades e contradições na garantia da tutela judicial efetiva aos direitos humanos das mulheres.

 

2.1 O CNJ e a implementação da LMP

A atual Política Judiciária Nacional de enfrentamento à violência contra as Mulheres, criada pelo Conselho Nacional de Justiça pela Resolução n. 254/2018, prevê, dentre seus objetivos:

I – fomentar a criação e a estruturação de unidades judiciárias, nas capitais e no interior, especializadas no recebimento e no processamento de causas cíveis e criminais relativas à prática de violência doméstica e familiar contra a mulher baseada no gênero, com a implantação de equipes de atendimento multidisciplinar, nos termos do artigo 29 da Lei n. 11.340/2006.

Para a implementação do previsto nesse dispositivo, o CNJ elenca o papel dos tribunais de justiça estaduais e do Distrito Federal, orientados pelas Coordenadorias Estaduais da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar, presente em cada um dos tribunais.  Dentre as atribuições de tais Coordenadorias, a Resolução estipula em seu artigo 4, “contribuir para o aprimoramento da estrutura e das políticas do Poder Judiciário na área do combate e da prevenção à violência contra as mulheres”; “apoiar os juízes, os servidores e as equipes multidisciplinares para a melhoria da prestação jurisdicional”; e “colaborar para a formação inicial, continuada e especializada de juízes, servidores e colaboradores, na área do combate e prevenção à violência contra a mulher”.

Esse documento reconhece a ampliação das unidades judiciárias, com competência híbrida e estruturada com equipes multidisciplinares e pessoal capacitado como uma de suas principais ações de fortalecimento da prestação jurisdicional nos casos de violência doméstica.  Todavia, esse entendimento não é expresso, de modo consistente, nas variadas ações do próprio CNJ sobre o tema e da maioria dos órgãos e mecanismos reconhecidos por ele como implementadores de tal Política, entre os quais estão as Jornadas Maria da Penha[42], o Fórum Nacional de Juízes de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher (FONAVID)[43] e a Semana pela Paz em Casa[44].

As Coordenadorias Estaduais, até o ano de 2018, desenvolveram ações, em sua maioria, de educação junto ao público externo ao Poder Judiciário (escolas do ciclo básico, grupos comunitários etc.). Projetos de capacitação de magistrados e magistradas que atuam nas varas com competência em VDFM foram escassos ou mesmo inexistentes na maioria das Coordenadorias. Não há registros, em seus relatórios anuais de atividades, sobre a elaboração de estudos ou proposição de estratégias para a implementação da competência híbrida junto aos tribunais. Em geral, os tribunais não têm destinado recursos financeiros ou pessoal técnico para que as Coordenadorias cumpram as suas atribuições previstas na Resolução do CNJ referida [45].

O esforço maior informado pelas Coordenadorias em relação ao funcionamento das varas, tem sido na garantia da adesão ao Programa Semana Justiça pela Paz em Casa, criado em 2015 pelo CNJ com foco acentuado na celeridade da prestação jurisdicional em casos de VDFM. Novamente, os esforços relativos à análise sobre a adequação da tutela judicial aos parâmetros da devida diligência são pouco ou nada enfatizados em tal Programa. Pela ênfase que dá aos números, ele tem funcionado em uma dimensão mais simbólica. Os relatórios de cada uma das semanas realizadas apresentam, de modo acrítico, os quantitativos de processos. Não há menção ou abordagem relativa à qualidade das decisões em termos de incorporação da perspectiva de gênero e interseccional. De acordo com Castilho (2018, p. 107), as Semanas de Justiça pela Paz em Casa mantêm seu foco na “produtividade, gestão, eficiência, e não em aspectos conceituais e estruturantes, capazes de impactar na qualidade da prestação jurisdicional perante a sociedade.”

Sobre a questão da competência híbrida, o Colégio de Coordenadores de Coordenadorias da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Poder Judiciário Brasileiro (COCEVID) definiu, dentre seus objetivos de gestão para 2018, “ampliar número de tribunais que aplicam a competência híbrida nas Varas da Mulher implantadas em seus estados”[46].

O Fórum Nacional de Juízes de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher (FONAVID) foi criado com o objetivo de melhorar a atuação do Poder Judiciário no atendimento às demandas relacionadas à violência doméstica e familiar contra as mulheres. Ele é composto por magistradas e magistrados competentes, nas varas de atuação, para casos de violência doméstica. Nos seus encontros anuais são aprovados os Enunciados, que são orientações para profissionais que atuam nos casos de violência doméstica em todo o país.

A ação mais conhecida do FONAVID em relação à competência híbrida é o seu Enunciado n. 3[47], publicado em 2013, com orientação acentuadamente restritiva ao previsto na LMP:  A competência cível dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher é restrita às medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha, devendo as ações relativas a Direito de Família ser processadas e julgadas pelas Varas de Família.

Os Enunciados do FONAVID não têm força vinculante, mas como são orientações decididas entre pares – juízes e juízas que atuam nas varas com competência em VDFM acabam tendo força política, por vezes maior que o próprio CNJ, para modelar o funcionamento das unidades judiciárias. Um dos efeitos desse posicionamento também pode ser identificado na edição revisada do Manual de Rotinas e Estruturação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, de 2018, onde já não se identifica o mesmo entendimento a respeito da competência híbrida que havia sido expresso em sua primeira edição de 2010[48].

Pode-se dizer que o FONAVID tem funcionado como um grupo de pressão junto ao CNJ que orienta a implementação da LMP em favor da conveniência ou demanda das varas e de suas rotinas e não da garantia da tutela judicial efetiva aos direitos humanos das mulheres. Isso fica expresso nas razões até o momento conhecidas que fundamentam a posição do Fórum em relação à interpretação restritiva do artigo 14 da LMP presentes na “Nota Técnica de Apoio Parcial ao PL 510/2019” emitida por ele:

os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher não devem ter sua competência estendida para causas típicas das Varas de Família, que têm sua competência material fixada nas leis de organização judiciária de cada Estado, sob pena de abarrotamento de ações que gerará grave prejuízo à celeridade no cumprimento das medidas protetivas de urgência, coração da Lei Maria da Penha, e transtornos à rotina dos Juizados de Violência Doméstica e aos andamentos dos processos criminais, comprometendo assim a finalidade precípua destes juízos especializados, prejudicando o atendimento às mulheres em situação de violência.

A interpretação teleológica da LMP sugerida em tal documento, parece confundir uma proposta de interpretação de acordo com os fins da lei (atenção integral às mulheres) com uma interpretação de acordo com os fins da própria organização judiciária (insuficiência da estrutura, sobrecarga de trabalho etc.). Ao invés de direcionar as demandas pela melhoria das condições de funcionamento das unidades judiciárias especializadas em VDFM para os tribunais estaduais ou para o próprio CNJ, o FONAVID opta por uma interpretação restritiva da LMP deslocada da proteção judicial dos direitos das mulheres.

Na referida Nota, o FONAVID também retoma, como argumentação pela interpretação restritiva da LMP, uma tese aparentemente já superada pela ADC n. 19/2012 julgada pelo STF: de que a LMP não poderia dispor sobre regras de competência sem ferir o princípio da autonomia dos tribunais previsto na Constituição Federal de 1988. O STJ, em 2015, também já havia se manifestado em sentido contrário a esse entendimento expresso no documento do FONAVID de 2019:

há que se reconhecer, na esteira do que já decidiu o STF (ADC 19, Tribunal Pleno, DJe 29/4/2014), que a Lei Maria da Penha, ao facultar a criação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar, com competência cumulativa para as ações cíveis e criminais advindas da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, “ante a necessidade de conferir tratamento uniforme, especializado e célere, em todo território nacional, às causas sobre a matéria”, de modo algum imiscuiu-se na competência do Estados para disciplinar as respectivas normas de organização judiciária, mas, ao contrário, cuidou de tema de caráter eminentemente nacional. Portanto, a competência dos Juizados da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher – cuja criação restou facultada aos Estados – foi devidamente definida pela Lei 11.340/2006, devendo, por conseguinte, a Lei de Organização Judiciária dos Estados, caso venha a instituí-los, a ela se amoldar. (…) Trata-se de providência que a um só tempo facilita o acesso da mulher, vítima de violência familiar e doméstica, ao Poder Judiciário e lhe confere real proteção[49].

A competência civil apenas para análise e concessão de medidas protetivas não garante a devida diligência. Em que pese a indiscutível relevância delas, seu caráter é provisório, de prevenção e proteção. A resolução do conflito é transferida para as varas de família que, em geral, estão alheias à tramitação em sede do JVDFM. Com essa separação, movimenta-se, com alto custo, a estrutura de dois ou mais órgãos judiciais, repetem-se atos judiciais e manejam-se medidas e recursos em duas esferas judiciais distintas, com pouco controle sobre a possibilidade de ocorrência de revitimizações nesse percurso.

Assim, de acordo com Castilho[50], o CNJ mantém um modelo de implementação da sua Política Judiciária sobre o tema ainda muito distante do cumprimento do estândar da devida diligência. Além disso, apesar de alguns avanços, ele pouco tem contribuído para uma real quebra de paradigma (ou giro paradigmático), tal qual preconizado pela LMP. Como consequência, temos “a reafirmação da violência pelo próprio Estado”.

As consequências da não aplicação da competência híbrida pelas unidades judiciárias que atuam com VDFM têm sido relatadas por diversos segmentos e órgãos do próprio sistema de justiça e por estudos e diagnósticos sobre o tema.  Elas podem ser mais bem explicitadas quando olhamos para o funcionamento das varas cíveis e de família em casos que têm como motivo a violência doméstica e familiar. Se, até o momento, as ações por parte do CNJ para a capacitação inicial e continuada em gênero e relações étnico-raciais são dirigidas para magistrados e magistradas que atuam nos JVDFMs, não há notícias de capacitações desse tipo voltadas a profissionais das varas cíveis e de família. Se os sistemas de proteção dos direitos humanos das mulheres têm feito diversas ressalvas em relação ao uso dos procedimentos alternativos de resolução de conflitos em casos de violência de gênero contra as mulheres[51], nas varas de família, atualmente, eles são praticamente a regra.

De acordo com Almeida[52], nas varas de família, em geral, a violência doméstica contra as mulheres e seus familiares é invisibilizada ou desconsiderada. Com frequência, por exemplo, a guarda compartilhada tem sido deferida mesmo em caso com medida protetiva ou relato de violência doméstica grave. Tem sido frequente, também, o uso de alienação parental como estratégia de defesa do suposto agressor, resultando na reversão da guarda para ele, mesmo em casos onde há denúncia de abuso sexual contra a criança.

No mesmo sentido, Castilho[53], enumera alguns dos motivos pelos quais essa restrição da competência dos JVDFMs tem sido prejudicial à prestação jurisdicional e à efetividade da resposta estatal:

(i) não há comunicação entre os juízos criminais, cíveis e de família; (ii) os juízos cíveis e de família não se interessam pela violência doméstica, pois a consideram uma questão exclusivamente criminal; (iii) há um número elevado de decisões contraditórias ou conflitantes entre os juízos de VDFM, cíveis e de família; (iv) a regra da guarda compartilhada erigida como princípio hermenêutico nas varas de família, com base em um suposto melhor interesse da criança, fragiliza as mulheres, alimenta o ciclo da violência e serve ao objetivo de alcançar a alienação parental das mulheres; (v) no juízo cível, há orientação geral do Novo Código de Processo Civil para a autocomposição.

A prestação jurisdicional feita de modo fragmentada dificulta também reconhecer a violência doméstica e familiar como resultante de desigualdades de gênero que, na sociedade brasileira, se intersetam com outras causas estruturais de desigualdade como o racismo, o machismo, o cis-hetero-patriarcado, a condição de classe social, o capacitismo etc. e potencializam a vulnerabilidade a que mulheres estão expostas. Nesse sentido, têm sido várias as críticas formuladas por acadêmicas[54] e pelos movimentos de mulheres negras, indígenas, LBTQI+, quilombolas, rurais e de periferias urbanas endereçadas ao atual padrão de implementação da LMP. De modo geral, elas não se sentem protegidas pela LMP e são elas que enfrentam, de modo desproporcional, os diversos obstáculos para o acesso a direitos e à justiça ainda presentes no sistema de justiça brasileiro.

Por esses efeitos prejudiciais à garantia dos direitos das mulheres até aqui elencados é possível compreender a importância de se implementar, sem demora, a hibridez, como medida essencial para que o Estado brasileiro cumpra com sua obrigação convencional de atuar com a devida diligência. Como normas de direitos humanos, os artigos 13, 14 e 33 da LMP elas impõem limites à função pública, de modo que não podem receber interpretação restritiva, menos favorável à pessoa humana.

 

  1. Posicionamento do Consórcio e Sugestões

 

O Consórcio Lei Maria da Penha atuou na elaboração do anteprojeto da Lei 11.340/2006 e integrou o Grupo de Trabalho Interministerial que, juntamente com o Executivo Federal, apresentou o PL 4559/2004 à Câmara dos Deputados. Desde o início dos trabalhos, o Consórcio zelou pelo compromisso de elaborar uma lei que correspondesse às recomendações internacionais de defesa dos direitos das mulheres e colaborasse para fomentar nova organização do Sistema de Justiça para responder de forma compatível com a devida diligência e considerasse a urgência, gravidade e complexidade da violência de gênero contra as mulheres, configurada como violência doméstica e familiar.  Particularmente, o Consórcio acompanha com atenção os movimentos legislativos que alteram a Lei Maria da Penha e colocam em risco sua integralidade. Nesse momento em que o tema da competência híbrida volta ao debate público, o Consórcio dá sua contribuição relembrando que a Lei Maria da Penha tem como origem o compromisso a proteção da vida das mulheres e seu direito a viver livre de todo tipo de violência.

Desde a aprovação da Lei Maria da Penha o Consórcio tem acompanhado sua implementação por parte do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário. Com preocupação e conforme argumentamos na presente Nota e temos enfatizado em outros momentos, a não implementação da competência híbrida por parte do Poder Judiciário tem provocado diversos prejuízos às mulheres em situação de violência e reiterado o quadro de ineficácia do Estado brasileiro em garantir a tutela jurídica adequada aos direitos humanos das mulheres. Da mesma forma, essa recusa tem sido um dos principais fatores responsáveis pelo exacerbamento das dimensões penais da LMP, que desvirtua modelo de resposta integral previsto na lei, ampliando a dimensão de política criminal retributiva e afastando a Lei Maria da Penha de seu projeto jurídico original que prevê respostas integrais para a prevenção, proteção dos direitos e assistência para as mulheres e responsabilização para pessoas autoras de violência. No entendimento do Consórcio, a integralidade da resposta, no texto legislativo, não se refere à mera exposição de ações,  mas corresponde à estrutura interna da Lei que pode ser descrita como “um microssistema de direitos e não tem somente como objetivo a resolução do problema da violência doméstica e familiar contra as mulheres por meio de medidas penais.” (CALAZANS, 2019, p.14).

Em relação às alterações introduzidas pela Lei 13.894/2019, apesar de trazer um rol temático sobre demandas cíveis a serem incorporadas na competência das varas que atuam com violência doméstica (ações de separação judicial, divórcio, anulação de casamento ou dissolução de união estável), ela não elenca outras situações que são frequentes também em casos de violência doméstica. No entendimento do Consórcio, para avançar nessa discussão torna-se importante retomar o núcleo central da LMP, qual seja, o reconhecimento de que a violência doméstica e familiar contra as mulheres é uma das formas de violência de gênero e violação de direitos humanos e o compromisso em proteger o direito das mulheres a uma vida sem violência.

O texto original da LMP, ao se referir a processo, julgamento e execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher não exclui nenhum tipo de ação a ela relacionada. É o que se verifica com as medidas protetivas com natureza cível ou criminal e as demais ações necessárias à composição do conflito (ações de natureza penal, cível e de família, como divórcio, separação, dissolução e reconhecimento de união estável, mas também a guarda e visitas, alimentos, busca e apreensão).

A separação conjugal ou a manifestação pela mulher do interesse em se separar é reconhecidamente um fator de risco para agravamento da violência. De acordo com o Relatório de Balanço do Ligue 180, em 2019, a aplicação do formulário de avaliação de risco durante os atendimentos, mostra a separação conjugal em 3º lugar entre os 19 fatores de risco avaliados.[55] Nessa perspectiva, a extinção formal do vínculo matrimonial, por exemplo, é o efeito mais importante do divórcio, mas se não forem resolvidas todas as questões atinentes ao relacionamento entre o casal (guarda, visitas, pensão, partilha), a decretação do divórcio, pura e simples, não colocará fim à situação de violência em que aquele casal estiver envolvido.

Com relação à guarda de filhos entre casais vivendo situações de violência doméstica e familiar, Castilho e Oliveira (2014)[56] mostram como as varas de família têm se mantido distante do debate de gênero e direitos das mulheres, atuando no interesse exclusivo de proteção dos direitos das crianças e adolescentes  e desconsiderando complexidade das situações de violência de gênero em que essas famílias estão envolvidas e os riscos acarretados para a vida das mulheres. No mesmo sentido, a partilha de bens deve considerar a desigualdade de gênero como agravante da violência. Destaque-se que a dependência econômica é um importante fator que impede que mulheres rompam o ciclo de violência. Frequentemente, o alcance dessa independência tem sido tratado como autonomia financeira, mas ela também se refere às garantias para que a mulher possa dispor dos próprios bens e recursos financeiros, além de confiar que direitos relacionados aos seus filhos e filhas, como pensão e alimentos, estarão assegurados.

Se nos primeiros anos após a criação da LMP, a implementação da competência híbrida e a ampliação das unidades judiciárias especializadas se apresentava como uma questão de tempo e recurso orçamentário, o Enunciado FONAVID n. 03 parece ter demarcado um divisor de águas dando novo rumo aos entendimentos institucionais. É importante lembrar que o Fórum é formado por juízes e juízas que atuam nas unidades judiciárias especializadas em VDFM, agentes públicos, portanto, diretamente responsáveis pela entrega final das políticas judiciárias de enfrentamento à VDFM. É por meio de sua atuação que se materializa o acesso aos direitos e à própria imagem que as mulheres e toda a população têm – ou terão – sobre o Poder Judiciário, seja ela positiva ou negativa.

A criação do CNJ, em 2005, teve como objetivo o aperfeiçoamento do Sistema de Justiça Brasileiro, atuando na qualificação dos profissionais, o controle e a transparência da atividade judiciária. Em 2007 tiveram início as ações para a implementação da Lei Maria da Penha e o Consórcio reconhece que muitos avanços foram realizados para melhorar a atuação do setor na prestação da justiça às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

Contudo, os avanços parecem ser permanentemente desafiados por medidas ambíguas estimuladas ou não revisadas pelo próprio CNJ, as quais precisam ser cuidadosamente analisadas, alteradas ou eliminadas, sob o risco que de que a própria atuação do CNJ termine por violar a integralidade da LMP.  Para contribuir com a melhoria da atuação do Sistema de Justiça na aplicação da Lei Maria da Penha, o Consórcio apresenta um conjunto de sugestões para que o CNJ:

  1. promova a articulação com os Presidentes de Tribunais de Justiça Estaduais para dar efetividade à implementação da competência híbrida em unidades judiciárias em todo o país e garantir real recurso para que as Coordenadorias estaduais possam cumprir adequadamente seus objetivos enquanto implementadoras das políticas judiciárias de enfrentamento à violência contra as mulheres.
  2. coordene junto aos Tribunais de Justiça a elaboração de Plano Estratégico para implementação da Política Judiciária, especialmente para concretização do disposto no art.2o da Resolução n. 254/2018 do CNJ: “I – fomentar a criação e a estruturação de unidades judiciárias, nas capitais e no interior, especializadas no recebimento e no processamento de causas cíveis e criminais relativas à prática de violência doméstica e familiar contra a mulher baseada no gênero, com a implantação de equipes de atendimento multidisciplinar, nos termos do artigo 29 da Lei n. 11.340/2006”.
  3. crie grupo de trabalho envolvendo representantes da magistratura, serventuários e equipes multidisciplinares, com participação da academia e especialistas na Lei Maria da Penha, para a revisão do Manual de Rotinas e Estrutura dos JVDFM , tornando o referido documento compatível com o funcionamento das unidades judiciárias especializadas com competência híbrida e com recomendações adequadas a todos os agentes que formam o fluxo do processo, julgamento, decisão e execução das ações atinentes à violência doméstica e familiar.
  4. promova, em parceria com as universidades, estudo sobre os custos econômicos de processos judiciais nas varas de violência doméstica e familiar e nas varas de família, gerando dados empíricos cientificamente coletados e analisados e contribuam para a reorganização judiciária necessária para a boa implementação de novas unidades judiciárias com competência plena.
  5. realize, em parceria com as universidades, estudos sobre os fluxos e dos tempos processuais nas varas e juizados de violência doméstica e familiar, a fim de avaliar os fatores que provocam congestionamento processual nessas varas e propor medidas para reduzir os volumes de processos arquivados por prescrição de prazo.
  6. convoque, como parte de atividades do recém-criado Observatório de Direitos Humanos, audiência pública com a participação da sociedade civil, especialmente grupos de mulheres negras, indígenas, rurais e quilombolas para colher informações a respeito dos obstáculos de acesso à justiça que ainda são impostos às mulheres brasileiras vítimas de violência doméstica e familiar.
  7. intensifique os esforços para garantia da transparência, do acesso à informação e da abertura ao diálogo com universidades, centros de pesquisa e organizações da sociedade civil de defesa de direitos humanos e de direitos das mulheres, a fim de viabilizar o monitoramento e avaliação permanentes das políticas judiciárias de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra as mulheres, bem como da qualidade do acesso à justiça para as mulheres em situação de violência.

[1] Documento elaborado pelo Consórcio e publicado em 26 de outubro de 2020. Responsáveis pela redação do documento: Wânia Pasinato e Fabiana Severi, integrantes do Consórcio.

[2] Segundo a Recomendação Geral n. 33 do Comitê CEDAW, “todas as referências a ‘mulheres’ devem ser entendidas como incluindo mulheres e meninas, a menos que especificamente indicado de outro modo”. A Recomendação Geral n. 35 do Comitê CEDAW também estipula, no seu parágrafo 14, que toda referência às mulheres em seu texto incluem as meninas, já que a “violência de gênero afeta as mulheres ao longo de seu ciclo de vida”.

[3] CASTILHO, Ela Wiecko Volkmer de. Aplicabilidade da Competência Cível e Criminal da Lei Maria da Penha. In Seminário 12 anos de Lei Maria da Penha. Brasília: Comissão Mista de Combate à Violência contra a Mulher/Congresso Nacional. 2019, p. 101-107 Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/564441. Acesso em: 19 out.

[4] Ver, nesse sentido, os artigos 3, 4 e 5 da Convenção de Belém do Pará e as Recomendações Gerais do Comitê CEDAW de números 19 e 35.

[5] Ver, nesse sentido: PEREIRA, Bruna Cristina Jaquetto. Tramas e dramas de gênero e de cor: a violência doméstica e familiar contra mulheres negras. 2013. 131 f. Dissertação (Mestrado em Sociologia). Universidade de Brasília, Brasília, 2013; CARNEIRO, Sueli. Mulheres Negras, violência e pobreza. In: SEVERI, F.; MATOS, M.; CASTILHO, E. (Orgs). Tecendo fios das Críticas Feministas ao Direito no Brasil II: direitos humanos das mulheres e violências. Volume 1 – Os nós de ontem: textos produzidos entre os anos 1980 e 2000. Ribeirão Preto: FDRP, 2020.

[6] Ver, nesse sentido, os artigos 1 e 5 da Constituição Federal.

[7] BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei n. 4559 de 3 de dezembro de 2004. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, e dá outras providências.

[8] CAMPOS, C. H. Lei Maria da Penha: fundamentos e perspectivas. In I. V. MACHADO. Uma década de Lei Maria da Penha: percursos, práticas e desafios.  Curitiba: CRV. 2017 p. 17-38.

[9] Para compreensão sobre o que são estereótipos de gênero e seus efeitos na garantia de direitos às mulheres, ver, por exemplo, COOK, Rebecca; CUSAK, Simone. Estereótipos de género: perspectivas legales transnacionales. Toronto: Profamilia, 2010.

[10] Ver, por exemplo, CRENSHAW, Kimberlé. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Rev. Estud. Fem. [online]. 2002, vol.10, n.1, pp.171-188.

[11] BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei n. 4559 de 3 de dezembro de 2004. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, e dá outras providências

[12] MATOS, Myllena Calazans, BRITO; Priscila e PASINATO, Wânia. A nova Lei Maria da Penha: análise das alterações recentes da Lei de enfrentamento à violência doméstica. In: SEVERI, F.; MATOS, M.; CASTILHO, E. (Orgs). Tecendo fios das Críticas Feministas ao Direito no Brasil II: direitos humanos das mulheres e violências. Volume 1 – Os nós de ontem: textos produzidos entre os anos 1980 e 2000. Ribeirão Preto: FDRP, 2020.

[13] Nesse sentido, são as pesquisas: CNMP- Conselho Nacional do Ministério Público. Violência doméstica contra a mulher : justiça integral e monitoramento da efetividade do formulário de risco FRIDA / Conselho Nacional do Ministério Público. – Brasília: CNMP, 2020. 72 p. il. Disponívele em: https://www.cnmp.mp.br/portal/images/noticias/2020/Mar%C3%A7o/RELATORIO_FRIDA_2020_WEB.pdf. Acesso em: 19 out. 2020. CNJ- Conselho Nacional de Justiça e IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. O Poder Judiciário no Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra as Mulheres. Relatório Final. Brasília: CNJ. 2019. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/190830_rel_poder_judic_no_enfren_a_viol_domest_familiar_contra_as_mulheres.pdf. Acesso em: 19 out. 2020.

MATOS, Myllena Calazans, BRITO, Priscila e PASINATO, Wânia. A nova Lei Maria da Penha: análise das alterações recentes da Lei de enfrentamento à violência doméstica. 2020. In: SEVERI, F.; MATOS, M.; CASTILHO, E. (Orgs). Tecendo fios das Críticas Feministas ao Direito no Brasil II: direitos humanos das mulheres e violências. Volume 1 – Os nós de ontem: textos produzidos entre os anos 1980 e 2000. Ribeirão Preto: FDRP, 2020.

[14] Ver Recomendação Geral n. 35 do Comitê CEDAW, parágrafo 21.

[15] Ver artigos 2 (c), 3, 5 (a) e 15 da CEDAW.

[16] Ver Recomendação Geral n. 35 do Comitê CEDAW, parágrafo 31, b. e Recomendação Geral n. 33, par. 11.

[17] CIDH. Corte Interamericana de Direitos Humanos: Caso Velásquez Rodríguez v. Honduras, 1988.

[18] CIDH. Corte Interamericana de Direitos Humanos: Caso Velásquez Rodríguez v. Honduras, 1988.

[19] CIDH. Corte Interamericana de Direitos Humanos: Caso Maria da Penha Maia Fernandes v. Brasil, 2001.

[20] No Caso González e outras (“Campo Algodoneiro”) vs. México, a Corte também expressou o mesmo entendimento de que a “ineficácia judicial diante de casos individuais de violência contra as mulheres propicia um ambiente de impunidade que facilita e promove a repetição dos fatos de violência em geral e envia uma mensagem segundo a qual a violência contra as mulheres pode ser tolerada e aceita como parte da vida diária” (parágrafo 388). Ver: CIDH. Corte Interamericana de Direitos Humanos: Caso González et al. “Campo Algodonero” v. México, 2009. Da mesma forma, ocorreu no Caso Fernández Ortega  e Rosendo Cantú: ante un acto de violencia contra una mujer, resulta particularmente importante que las autoridades a cargo de la investigación la lleven adelante con determinación y eficacia, teniendo en cuenta el deber de la sociedad de rechazar la violencia contra las mujeres y las obligaciones del Estado de erradicarla y de brindar confianza a las víctimas en las instituciones estatales para su protección. Ver:  CIDH.Corte Interamericana de Direitos Humanos: Caso Fernández Ortega v. México, 2010 (parágrafo 193) e CIDH. Corte Interamericana de Direitos Humanos:Caso Rosendo Cantú v. México,  2010 ( parágrafo 177).

[21] Ver Recomendação Geral n. 33 do Comitê CEDAW (parágrafo 31, a, ii).

[22] CIDH. Corte Interamericana de Direitos Humanos: Caso Maria da Penha Maia Fernandes v. Brasil, 2001.

[23]  CIDH. Corte Interamericana de Direitos Humanos: Caso Favela Nova Brasília v. Brasil, 2017.

[24] Ver artigo 14 da LMP.

[25] Ver artigo 33 da LMP.

[26]  CIDH. Corte Interamericana de Direitos Humanos: Caso Maria da Penha Maia Fernandes v. Brasil, 2001.

[27] Ver artigos 54 e 55 do Código de Processo Civil.

[28] BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Ação Declaratória de Constitucionalidade n.19 de 2012. Relator: Ministro Marco Aurélio. Publicado no D.J.U em 9 de fevereiro de 2012, p. 7.

[29] BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RHC 100.446-MG de 2018.  Relator  Ministro  Marco Aurélio Bellizze. Publicado no DJe 05/12/2018.

[30] Ver, nesse sentido, os acórdãos:  REsp 1.550.166-DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, por maioria, julgado em 21/11/2017, DJe 18/12/2017 e REsp 1.496.030-MT, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 6/10/2015, DJe 19/10/2015.

[31] BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Ação Declaratória de Constitucionalidade n.19 de 2012. Relator: Ministro Marco Aurélio. Publicado no D.J.U em 9 de fevereiro de 2012.

[32]  Painel de Monitoramento da Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. CNJ. Disponível em: https://paineis.cnj.jus.br/QvAJAXZfc/opendoc.htm?document=qvw_l%5Cpainelcnj.qvw&host=QVS%40neodimio03&anonymous=true&sheet=shVDResumo. Acesso em: 19 out. 2020.

[33] A competência cível dos JVDFMs tem sido restrita às medidas protetivas de urgência previstas na LMP.

[34] CNJ- Conselho Nacional de Justiça e IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. O Poder Judiciário no Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra as Mulheres. Relatório Final. Brasília: CNJ. 2019. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/190830_rel_poder_judic_no_enfren_a_viol_domest_familiar_contra_as_mulheres.pdf. Acesso em: 19 out. 2020.

[35] CNJ- Conselho Nacional de Justiça e IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. O Poder Judiciário no Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra as Mulheres. Relatório Final. Brasília: CNJ. 2019, p. 27.  Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/190830_rel_poder_judic_no_enfren_a_viol_domest_familiar_contra_as_mulheres.pdf. Acesso em: 19 out. 2020.

[36] LIMA, Fausto. Dos procedimentos – artigos 13 a 17. In: CAMPOS, C. H. (Org.). Lei Maria da Penha comentada em uma perspectiva jurídico-feminista. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011.

[37] Alice Bianchini. Apresentação oral no Seminário “Lei Maria da Penha: Diálogos entre Advocacia e Magistratura”, organizado pela OAB. Brasília, agosto de 2019. Disponível em:https://www.youtube.com/watch?v=noKlUl5IwUU. Acesso em: 19 out. 2020.

[38] CASTILHO, Ela Wiecko Volkmer de. Aplicabilidade da Competência Cível e Criminal da Lei Maria da Penha. In Seminário 12 anos de Lei Maria da Penha. Brasília: Comissão Mista de Combate à Violência contra a Mulher/Congresso Nacional. 2019, p. 101. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/564441. Acesso em: 19 out. 2020.

[39] No mesmo ato, outras duas varas especializadas foram instaladas nos municípios de Várzea Grande, região metropolitana de Cuiabá, e Rondonópolis, no interior do estado.

[40] Ver, nesse sentido: OBSERVE. Estudo de Caso sobre o Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e a Rede de Serviços de Cuiabá- Mato Grosso. Cadernos Observe. Nº 2. Salvador: Observe – Observatório da Lei Maria da Penha. NEIM/UFBA. 2010.

CNJ- Conselho Nacional de Justiça e IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. O Poder Judiciário no Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra as Mulheres. Relatório Final. Brasília: CNJ. 2019, p. 27.  Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/190830_rel_poder_judic_no_enfren_a_viol_domest_familiar_contra_as_mulheres.pdf. Acesso em: 19 out. 2020.

[41] TJPA. Resolução n. 20 de 2014. Disponível em: http://www.tjpa.jus.br/CMSPortal/VisualizarArquivo?idArquivo=11848. Acesso em 20 out. 2020.

[42] Criada em 2007.

[43] Criado em 2009 durante o encontro das Jornadas Maria da Penha.

[44] Criada em 2015.

[45] Ver, nesse sentido: SEVERI, Fabiana Cristina. Políticas Judiciárias sobre Violência contra as Mulheres: um estudo sobre as Coordenadorias estaduais das mulheres em situação de violência dos Tribunais de Estaduais de Justiça no Brasil. Revista Direito Público, Porto Alegre, V.16, nº 88, 2019. Também: IAMARINO, Ana Teresa. A incorporação da perspectiva de gênero na política judiciária do Conselho Nacional de Justiça no ano de 2017. 2018. 175 f., il. Dissertação (Mestrado em Direitos Humanos e Cidadania). Universidade de Brasília, Brasília, 2018.

[46] Ver, nesse sentido: http://www.compromissoeatitude.org.br/coordenadores-da-mulher-instituem-colegio-nacional-e-projeto-de-medalha-ministra-carmen-lucia-tjpe-15112018/.

[47] Em 2016, o enunciado passou por uma pequena alteração no VIII FONAVID, para orientar que: “A competência cível dos Juizados de Violência doméstica e Familiar contra a Mulher é restrita às medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da penha, devendo as ações cíveis e as de Direito de Família ser processadas e julgadas pelas varas cíveis e de família, respectivamente.

[48] CASTILHO, Ela Wiecko Volkmer de. Aplicabilidade da Competência Cível e Criminal da Lei Maria da Penha. In Seminário 12 anos de Lei Maria da Penha. Brasília: Comissão Mista de Combate à Violência contra a Mulher/Congresso Nacional. 2019, p. 101-107 Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/564441. Acesso em: 19 out. 2020.

[49] BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.  REsp 1.496.030-MT  de 2015. Relator  Ministro Marco Aurélio Bellizze, publicado no DJe em 19/10/2015.

[50] CASTILHO, Ela Wiecko Volkmer de. Aplicabilidade da Competência Cível e Criminal da Lei Maria da Penha. In Seminário 12 anos de Lei Maria da Penha. Brasília: Comissão Mista de Combate à Violência contra a Mulher/Congresso Nacional. 2019, p. 101-107 Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/564441. Acesso em: 19 out. 2020.

[51] Além do MESECVI (OEA) ter enfatizado, com frequência, a inadequação do uso de técnicas de mediação e conciliação em violência contra as mulheres, a Recomendação Geral n. 35 do Comitê CEDAW enfatiza que o uso de procedimentos alternativos de resolução de litígios, incluindo mediação e conciliação, “deve ser rigorosamente regulado e permitido apenas quando avaliação prévia de uma equipe especializada assegurar o consentimento livre e esclarecido da vítima/da sobrevivente afetada e que não há indicadores de novos riscos para a vítima/a sobrevivente ou seus familiares. Esses procedimentos devem empoderar as vítimas/as sobreviventes e ser oferecidos por profissionais treinados especialmente para compreender e intervir adequadamente nos casos de violência de gênero contra as mulheres, garantindo proteção adequada dos direitos das mulheres e das crianças, bem como intervenção sem estereótipos ou revitimização das mulheres. Procedimentos alternativos não devem constituir obstáculo ao acesso das mulheres à Justiça formal”.

[52] ALMEIDA, Dulcielly Nóbrega. Defensoria Pública em defesa de mulheres em situação de violência. In: Seminário 12 anos de Lei Maria da Penha. Brasília: Comissão Mista de Combate à Violência contra a Mulher/Congresso Nacional. 2019, p. 101-107 Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/564441. Acesso em: 19 out. 2020.

[53] CASTILHO, Ela Wiecko Volkmer de. Aplicabilidade da Competência Cível e Criminal da Lei Maria da Penha. In Seminário 12 anos de Lei Maria da Penha. Brasília: Comissão Mista de Combate à Violência contra a Mulher/Congresso Nacional. 2019, p. 101-107 Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/564441. Acesso em: 19 out. 2020.

[54] Nesse sentido, ver, por exemplo: FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro. “Lei Maria da Penha: entre os anseios da resistência e as posturas da militância” FLAUZINA, Ana Luiza; F.; FREITAS, Felipe; PIRES, Thula. Discursos Negros: legislação penal, política criminal e racismo. Brasília, Brado Negro. 2015; SOUZA, Luanna Tomaz; PIRES, Thula Oliveira. É possível compatibilizar abolicionismo e feminismos no enfrentamento às violências cometidas contra as mulheres? Revista Direitos Culturais, v. 15, n. 35, p. 129-157, dez. 2019.

[55] Brasil. Ligue 180- Central de Atendimento à Mulher. Relatório 2019. Brasília: Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH). 2020.

[56] CASTILHO, Ela Wiecko Volkmer de, OLIVEIRA, André Luiz Pereira. Guarda de filhos na situação de violência doméstica e familiar contra a mulher: a necessária perspectiva de gênero. IN GONÇALVES, Camila Fiqueiredo Oliveira,SALLES, Gabrielle Bezerra e QUARANTA, Roberta Madeira (orgs) 1988 a 2002: A Constitucionalização do Direito Civil Brasileiro. Fortaleza: Unichristus. 2014, p.106-118.


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