Racismo Estrutural e Estado de Direito
O que é racismo estrutural? Qual a diferença entre preconceito, racismo e discriminação? Essas e outras questões foram abordadas no curso Racismo Estrutural e Estado de Direito que a advogada e assessora jurídica da Themis – Gênero, Justiça e Direitos Humanos, Aretha Santos, participou no mês de dezembro.
O evento foi promovido pelo Instituto Luiz Gama, que há mais de dez anos atua na defesa de direitos humanos no âmbito étnico-racial. O curso tratou sobre a dinâmica do Estado contemporâneo com o professor dr. Camilo Onoda Caldas, diretor do Instituto, a partir de sua experiência advocatícia em casos de racismo e também Teoria Geral do Estado, apresentando práticas para o enfrentamento de discriminação racial.
Os módulos específicos foram abordados pelo professor dr. Silvio Luiz de Almeida, diretor-presidente do Instituto Luiz Gama, e autor do livro “O que é Racismo Estrutural?” da Coleção Feminismos Plurais, organizado pela mestra e filósofa Djamila Ribeiro.
Confira o relato e as reflexões sobre a temática realizadas pela advogada Aretha Santos:
O curso critica a concepção das predominantes acerca de racismo, estas que costumam tratar o tema na esfera moral ou cultural, a ser combatido pela educação ou até por meios jurídicos. Como ensinou Sílvio, o racismo é um processo histórico e político em que as relações de superioridade-inferioridade surgem com a racialização de sujeitos, sendo estruturalmente reproduzidas. Tratando de temas como Raça e racismo; racismo e ideologia; Racismo e Política; Racismo e direito; Racismo e economia, a abordagem metodológica evidencia a importância da compreensão dos fatos históricos, políticos, jurídicos e econômicos a partir de estudos da teoria crítica racial, do colonialismo, do imperialismo e do capitalismo.
Inicialmente , é explicitada a diferença entre preconceito, racismo e discriminação, tão comumente entendidos como sinônimos. Preconceito é construção e definição sobre determinado grupo de acordo com fatores históricos e sociais. Racismo é uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento, e que se manifesta consciente ou inconscientemente, que tem como resultados desvantagens ou privilégios que alimentam esta relação de superioridade-inferioridade em uma sociedade racializada. Discriminação seria o tratamento diferenciado em relação a raça de certo indivíduo ou grupo.
Foram definidas ainda as distinções de concepções acerca de racismo: a individualista, que abre o campo da patologia; a institucional, que se confere privilégios em razão da raça, normalizando estes atos pela dominação; e a estrutural, que pelo contexto de naturalização do racismo faz com que a responsabilização por atos racistas não inibem a reprodução da desigualdade racial. Silvio de Almeida entende que o racismo que experimentamos é estrutural, mesmo com as normas prescritivas de igualdade formal que temos. Estas normas não apenas seriam ineficazes como naturalizariam a inferiorização de negros com justificativas de incapacidade ou falta de vontade, não defrontando o passado escravagista e supremacista branco brasileiro e mundial.
Estudos do século XX corroboram para a racialização da sociedade, miscigenação evolutiva e inferiorização do negro, de forma comprovar o racismo como fenômeno conscientemente reproduzido. Em conjunto com o mito da democracia racial, este contexto é argumentado para que as políticas efetivas de combate ao racismo sejam esvaziadas, alegando-se que todas as pessoas possuem as mesmas oportunidades e evidenciando uma cruel política meritocrata. A naturalização das ofensas raciais em forma de gracejos na cultura popular, também fruto da democracia racial falida, calha ao judiciário e ao sistema de justiça como um todo que evitam tratar o tema do racismo com seriedade e centralidade, considerando-se “racialmente neutros”. Encerra a segunda etapa trazendo os ensinamentos de Achille Mbembe e Michel Foucault, em que o racismo e raça são definidos pelo Estado e este se utiliza desta estrutura para manter a normalização dos crimes por ele mesmo praticados.
Em seguida, Silvio traz que o Estado é um sistema que define práticas a favor de um grupo dominante, e mantém as formas sociais de mercado, propriedade privada, liberdade e igualdade de forma a reproduzir o racismo também em sua política. O Estado age em constante estado de exceção reproduzindo guerra, homicídio, políticas de repressão e suicídio a sua própria população, elemento trazido por Silvio ao citar a dissertação de mestrado defendida por Marielle Franco. Conclui que o direito é o instrumento utilizado pelo Estado para dar legalidade às condutas racistas, na quarta etapa do curso. As pressões dos movimentos antirracistas fizeram com que os sistemas jurídicos nacionais tivessem suas normas alteradas, banindo as normas explicitamente discriminatórias, porém nada fazem no que se refere a quebrar as relações de superioridade-inferioridade, que se mantém.
Por fim, na última etapa do curso, foi tratada a relação entre racismo e economia, e conclui-se que “raça é um fator que promove e que justifica a desigualdade econômica, por isso que toda e qualquer ação de combate ao racismo que não a leve em consideração não será efetiva”. Silvio de Almeida expôs que a manifestação do racismo possui fundamentos extraeconômicos, de modo que mesmo que o negro ascenda socialmente, ele ainda sofrerá com atos racistas, se não se forma estrutural, de forma cultural. O curso foi encerrado ditando que as desculpas para a manutenção do elemento raça como fator de inferiorização dos negros apenas são modificadas, mas, até o momento, nunca foram de fato eliminadas.