Há 25 anos na defesa e promoção dos direitos das mulheres

Conheça seis mulheres negras que fazem parte da história da Themis

Como forma de reconhecer a importância do #feminismonegro na história da Themis, celebramos mulheres que contribuíram para a construção de nossa organização. Na semana que antecede a comemoração do Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha, em 25 de Julho, apresentamos nas redes sociais os perfis de seis mulheres que fazem parte de nossa trajetória. Conheça as ativistas:

Fabiane Lara dos Santos, Promotora Legal Popular

Mãe do Gabriel, 17 anos, e do Miguel, nove anos, assessora de relação comunitária na Câmara de Vereadores de Canoas e Promotora Legal Popular (PLP). Fabiane, 44 anos, celebra todos os caminhos que já trilhou. O ativismo junto à Themis, exercido desde 2017, está entre as atividades que tanto se orgulha: “Conheci e reconheci muitas mulheres na formação. São pessoas que me inspiram”.

Fortalecer mulheres negras e reforçar seus laços é uma das motivações para celebrar o 25 de Julho, segundo a moradora do bairro Mathias Velho. “É também o reconhecimento de tudo o que a mulher negra se doa para contribuir à sociedade que, desde sempre, nos excluiu ou deixou à margem”, diz. São mulheres negras que precisam ter seu espaço de fala, com fortalecimento e visibilidade de suas lutas.

A ativista conta que, até iniciar a formação como PLP, era “militante sem causa”, no sentido de que “apenas lutava para sobreviver”. Nas aulas e trocas com outras companheiras, percebeu que o sonho de uma sociedade mais atenta às questões das mulheres era possível. “A Themis entra na minha vida e me dá perspectiva, fé nos meus direitos, na minha estrutura como mulher negra. O respeito pela minha história fez com que entendesse que o que desejava não era utópico, era real. Não me sinto mais loba solitária uivando sozinha, há outras mulheres comigo”, relata.

Fabiane, que se tornou conselheira diretorada Themis neste ano, vê o curso de PLP como doutorado em direito das mulheres. “Quando me formei, foi como se tivessem me dando as chaves para abrir todas as portas do mundo”.

Até 2019, a ativista ainda não havia cruzado as fronteiras do Rio Grande do Sul. Foi no assento de um ônibus lotado de mulheres, rumo à Marcha das Margaridas – trabalhadoras, como rurais e indígenas, tomam ruas de Brasília para dialogar com o governo federal – , que conheceu in loco a grandeza do país. Para uma mulher onde a palavra limite não encontra lugar no vocabulário de luta, Brasília foi só o começo de uma expedição para desbravar o Brasil e, quiçá, o mundo.

 

Eva Teresinha de Oliveira, PLP, e Renata Mathias de Moura, que atuou como Jovem Multiplicadora de Cidadania

Além da relação de amor, uma história de luta une mãe e filha. No DNA de Eva, 78 anos, e da filha Renata, 32 anos, circula a militância pela visibilidade e pelo direito das mulheres negras.

Na trajetória de Eva, a atuação como agente na pastoral do negro e missionária negra foi decisiva para compreender e disseminar o papel da negritude feminina na sociedade. Mas, essa incansável ativista queria mais. Realizou o curso de Promotora Legal Popular (PLP) para ampliar a atuação junto às mulheres. “Tinha muita dificuldade com leis, o curso trouxe conhecimento para a vida”.

Um dos momentos mais emocionantes da sua caminhada, avalia, foi a ida a Brasília, em 2007, quando conheceu pessoalmente Maria Penha – a farmacêutica cearense dá nome à Lei, sancionada em 7 de agosto de 2006, que visa proteger a mulher da violência doméstica e familiar.

Poder acompanhar uma trajetória tão intensa serviu de inspiração para Renata. Incentivada pela mãe, aos 14 anos participou do programa Jovens Multiplicadoras de Cidadania, promovido pela Themis. Junto a outras meninas, pôde espalhar o conhecimento adquirido – político, jurídico e feminista – aos quatro cantos de Porto Alegre e da Região Metropolitana. “Realizei muitas oficinas como educadora social, multiplicando o aprendizado”.

Neste sábado, 25 de julho, mãe e filha farão breve pausa reflexiva, entre tantas que já realizam. Afinal, a data também alerta sobre a luta que há pela frente. “Se não há continuidade, a gente é esquecida. É preciso ter noção de que as negras existem, grande parte da população negra é invisível”, pontua Eva.

Graduada em Filosofia e especialista em Pedagogia da Arte, Renata, que atua como cartomante de baralho cigano, poderia discorrer horas sobre o significado da data. Mas, ela prefere se ater a uma reflexão de agradecimento. “É um momento que, de fato, conseguimos saudar aquelas tantas outras mulheres negras que antecederam a luta de hoje”.

 

Ernestina Pereira, parceira no projeto Mulheres, Dignidade e Trabalho

Quando o telefone toca na casa do bairro Fragata, em Pelotas, Ernestina dos Santos Pereira está envolvida em mais uma das atividades às quais dedicou a maior parte da vida: a defesa dos direitos das trabalhadoras domésticas. Aos 62 anos, tem mais de três décadas como liderança da categoria.

Esmiuçar seu currículo é comprovar que Ernestina é uma Laudelina de seu tempo. O encontro, em 1989, com a mineira Laudelina de Campos Melo, fundadora ds primeira associação de trabalhadoras domésticas do Brasil (em 1936), potencializou na pelotense a vontade de defender os direitos de suas colegas. Desde então, na vida de Ernestina, como ela mesma define, “é eu, meu Deus e minha categoria”.

Nascida no Quilombo do Algodão, área rural de Pelotas, começou a trabalhar ainda criança. Ao se mudar para a cidade, com 13 anos, foi à escola pela primeira vez, mas a pobreza não permitiu a dedicação completa aos estudos. Aos 14, veio o primeiro emprego como trabalhadora doméstica.

O despertar para as questões de raça e classe ocorreu na campanha da fraternidade de 1988, “A Fraternidade e o Negro”, sobre o centenário da abolição da escravatura. “Me dei conta de que sou negra, chefe de família, trabalhadora doméstica”, lembra. “A teologia da libertação ensina que quando a gente se liberta, tem a obrigação de ajudar os outros a se libertarem”.

Para colocar a ajuda em prática, fez uso da informação que uma das irmãs lhe deu, por aqueles dias, na igreja: a de que existia, em Pelotas, uma associação de trabalhadoras domésticas. Incorporou-se à entidade, transformada em sindicato em 1989. O encontro com a Themis ocorreu em 2011 e se consolidou por meio de projetos como o Mulheres, Dignidade e Trabalho.

Ernestina vê o 25 de Julho como um pedaço da história e um dia merecido. “Mas para se celebrar mesmo esse dia, precisamos reconhecer a luta das mulheres negras sempre foi em busca de sobrevivência, liberdade e igualdade”, afirma.

 

Simone Vieira da Cruz, conselheira (2018-2020)

É em meio a uma ligação e outra que conseguimos conversar com Simone Vieira da Cruz, 47 anos, uma mulher de voz suave e pausada. A escuta é uma das ferramentas de trabalho enquanto coordenadora da Ouvidoria da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul. Além de receber críticas e elogios do público, a psicóloga de 47 anos também tem ouvido atento e fala forte quando a temática é racial.

Para ela, o 25 de Julho tem representação profunda em sua história: “É um marco do ativismo das mulheres negras. É a data para nos fazermos enxergar, sermos reconhecidas em nossa essência. Além disso, é fundamental para que possamos demonstrar nossa ação/atuação política, para além dos dados, o quanto estamos organizadas e somos parte da sociedade”.

De acordo com Simone, datas como essa precisam ser pontuadas em um país onde o contexto de violência é chocante, especialmente para mulheres negras que são mais vítimas de violência obstétrica, abuso sexual e homicídio, de acordo com o Mapa da Violência 2016. “Enquanto existir racismo, vamos sofrer com isso, porque somos mulheres negras. E somos dupla, triplamente afetadas. São várias as opressões que nos afetam”, pontua.

O ativismo de Simone começou há pelo menos 16 anos, quando ingressou na Associação Cultural das Mulheres do Rio Grando do Sul. Também atuou como conselheira de Themis e em projetos pontuais na organização. “A preocupação da Themis em incluir pessoas negras em seus projetos, na equipe e nos espaços de decisão é o que diferencia a organização. Há o reconhecimento do lugar de fala e do protagonismo das mulheres negras. Pessoas que são foco dessas discussões são trazidas para o debate”, explica a psicóloga.

Além do reconhecimento profissional e pessoal, as relações de afeto e carinho ganharam ainda mais espaço na vida de Simone. O “eu te amo” não fica restrito ao lar, ultrapassou os muros de casa ppara chegar aos ouvidos de outras mulheres, com voz e olhar sereno de quem sabe que a luta precisa continuar.

 

Kênia Fialho, estagiária de comunicação (2018-2019)

Entre setembro de 2018 e julho de 2019, a comunicação da Themis contou com o olhar atento, dedicado e amoroso de Kênia Fialho. A atuação da estudante de jornalismo foi essencial nas atividades de comemoração dos 25 anos da organização. Naquele período, participou ativamente das discussões de interseccionalidade, dos grupos de estudos e dos processos formativos. No dia a dia, suas tarefas abarcavam assessoria de imprensa, gestão de redes sociais e organização de eventos.

“Foi uma escola pra mim. Ali tive contato com o feminismo negro e os direitos humanos. Foi muito legal trabalhar com mulheres que vivem diariamente a luta e colocar em prática  valores da minha vida”, afirma Kênia.

O interesse pela comunicação e pela possibilidade de contar histórias motivaram a estudante a estudante da UFRGS a escolher o Jornalismo como campo de atuação. Além dos direitos humanos e do feminismo negro, a cultura está entre seus principais interesses. “São áreas que se conectam muito. A cultura tem um poder muito grande de emancipação. Por meio dela dela, tu encontras maneiras de continuar sobrevivendo”, explica a comunicadora.

Depois da Themis, Kênia fez estágio na assessoria de imprensa do Theatro São Pedro. Em Cachoeirinha, onde vive, é produtora cultural do projeto Arte Suburbana, que promove a cultura periférica em espaços públicos da cidade como saraus e feiras. Recentemente, começou a apresentar o programa Arte Suburbana Negócios, no YouTube. Também é integrante do Afronta, coletivo dos estudantes negros da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS.

Para Kênia, o Dia da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha, comemorado em 25 de Julho, representa luta e resistência. “A mulher negra praticamente carrega o Brasil nas costas e não é reconhecida por isso”, afirma Kênia. Ao refletir sobre o tema, ela recorda, ainda, uma frase dos pais que marcou a sua criação: “Somos negros, temos orgulho disso e através da educação vamos alcançar nossos objetivos”.

 

Margarida Maria Martimiano Ramos (Guida), associada da Themis

Uma tumultuada década de 1990, marcada, entre tantos acontecimentos, pela Guerra do Golfo e pelo impeachment de Fernando Collor. O ambiente, embora de efervescência política e social, marcava o nascimento da Themis, em 1993, e uma relação de trocas e afeto que perdura até hoje: a parceria com Margarida Maria Martimiano Ramos, a Guida, 67 anos.

Hoje associada da Themis, recorda que, à época, tinha a missão de apoiar iniciativas das mulheres no âmbito de suas tarefas como funcionária da Agência Alemã de Cooperação Técnica (GTZ). Viu na Themis a oportunidade. Precisava realizar uma linha de trabalho com mulheres e apoiar suas iniciativas, e a organização desenvolvia assistência jurídica a elas nas mesmas regiões de Porto Alegre nas quais o projeto estava proposto. “Me acolheram na hora. É um ambiente de discussão, de troca de saberes. Inclusive, foi lá que aprendi a olhar para questões específicas minhas, me ver através da trajetória de muitas mulheres que eram da clientela, em grande número negras.”

Em 2014, surge uma nova incumbência: implementar o atendimento do Serviço de Informação à Mulher (SIM) junto ao Tudo Fácil, no centro da Capital. Buscou-se fortalecer parcerias e uma rede de atendimento ágil, na recepção e encaminhamentos envolvendo órgãos da Prefeitura e do Governo do Estado. “Vale lembrar que a Themis, entidade ativista em direitos humanos, trata com equidade a vulnerabilidade das trabalhadoras domésticas em seu projeto com grande número de mulheres negras”, salienta.

O fortalecimento e a visibilidade de lutas da negritude são urgentes, alerta. Engenheira civil, ela faz uma analogia: “o racismo está nas bases das estruturas. E são as bases que dão sustentação a tudo”. O 25 de Julho, inclusive, é uma data para lançar luz a questões tão arraigadas: “a sociedade civil não pode abrir mão das nossas lutas”, pontua a ativista, que também é vice-presidente de patrimônio da SBC Floresta Aurora e membro do Grupo Palmares e da Rede Takao.


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