As mulheres do Rio se unem contra assédio em blocos, mas são alvo de agressão a cada 3 minutos no Carnaval
Via: The Huffington Post Brasil.
Apesar de ações contra assédio sexual, violência sofrida por elas no Carnaval do Rio ainda é grande.
Rio de Janeiro – “Cara, você tá maluco?” A figurinista Helena Tyrell conversava com amigas em um ensaio de pré-Carnaval da Orquestra Voadora no Aterro do Flamengo, zona sul do Rio de Janeiro, quando um rapaz — que nenhuma das meninas conhecia — surgiu na roda e beijou o ombro de uma das garotas. A reação ao assédio sexual foi imediata e contagiou outras mulheres ao redor.
“A gente começou a se colocar pra cima dele e a expulsar ele dali. Outras meninas perto vaiaram o cara. Fiz o que sempre faço em situação dessas: começo a pregar o respeito às pessoas. Essa movimentação começou comigo e duas amigas, e foi muito bonito, várias mulheres e homens em volta também começaram a repudiar o cara, falando alto: ‘Machista sai daqui, isso é assédio. Cara, nenhuma mulher quer isso, ninguém te convidou, ninguém te conhece. Você não tem autorização para fazer isso’. Ele ficou constrangido e saiu de perto.”
Esse tipo de mobilização ante situações de assédio sexual se repetiu durante o Carnaval carioca. De maneira espontânea, folionas reagiram contra assediadores em apoio a vítimas.
No entanto, apesar da rede de proteção, a violência contra a mulher ainda é grande — registros da Polícia Militar apontam que a cada 3 minutos uma mulher foi agredida durante o Carnaval do Rio de Janeiro.
A analista de marketing Flávia Dias relata ter testemunhado uma ambulante ser agredida pelo marido durante o bloco Fogo e Paixão. Foliões afastaram o agressor, que fugiu, e mulheres fizeram guarda ao redor da vítima para que ela pudesse trabalhar até o final da apresentação.
O marido rasgou a roupa dela. Ele a deixou numa condição muito vulnerável, nua no meio de um bloco, enquanto ela estava trabalhando. Várias outras mulheres chegaram perto e ficaram protegendo ela. Eu cheguei a tirar parte da minha fantasia e dei meu top para ela não ficar com o peito de fora.
Flávia Dias, do coletivo feminista Todas por Todas, em entrevista ao HuffPost Brasil
Já a estudante Taís Souza, de 27 anos, ajudava a isolar o Bloco do Pasmadeiro na última terça-feira (28), quando foi atacada. Um amigo deu um empurrão para afastar o assediador. “O cara se aproveitou porque eu estava com as duas mãos ocupadas na corda humana. Ele me encoxou, segurou meu rosto e tentou me beijar. Daí meu amigo deu um chega pra lá nele.”
A bióloga Maria Fernanda Silva, de 34 anos, que curtia o Carnaval na noite de sábado (25) no Ifcs (Instituto de Filosofia e Ciências Sociais), da UFRJ, reagiu juntamente com uma amiga após ouvir grosserias de um folião. “Ele e os amigos começaram a discutir com a gente, como se estivessem certos. No final, uns rapazes chegaram e separam eles, pedindo que eles fossem embora.”
Após ser tocada por um desconhecido em um bloco carnavalesco, a arquiteta Raffaela Chinelli também contou com o apoio de outras folionas. “Estou sentindo a sororidade diferente. No cortejo do Afrojazz, um cara apertou minha bunda e nenhuma mulher que estava em volta deixou barato. A gente está fazendo escândalo e não estamos mais passando de louca. Estamos nos apoiando mais. Eu achei muito bonito esse apoio.”
Raffaela, que é percussionista e integra o coletivo feminista Todas por Todas, não arrisca dizer que já se sente segura, mas observa que homens e mulheres estão mais conscientes ante o problema — com homens respeitando e mulheres se impondo.
A gente passava batido em relação a essa invasão do espaço, de segurar, pegar no cabelo. As pessoas não colocavam isso na conta do assédio. É uma evolução.
Raffaela Chinelli, arquiteta, em entrevista ao HuffPost Brasil
O poder dos adesivos e das frases contra a violência
O Todas por Todas, grupo que nasceu no Carnaval para combater a violência não física contra mulheres, decidiu ir às ruas para fortalecer ainda mais esse movimento. Blocos de Carnaval cariocas foram tomados por frases como “fantasia não é convite”, “segurar pelo cabelo não é seduzir” e “beijo não é pedágio”.
Com apoio de blocos, o coletivo feminista imprimiu 6.000 adesivos com as frases. As mensagens contra o assédio circularam coladas a corpos, fantasias e instrumentos musicais.
Houve até foliona que disse ter se sentido mais segura com o adesivo. “Achei interessante o poder dos adesivos. Simples e potente. Me senti mais protegida até… Sororidade”, postou Flora Bulcão no Facebook.
A campanha ainda chamou a atenção para a importância de se denunciar: “com violência não se brinca. Disque 180”.
Segundo a Polícia Militar, de 8h de sábado (24) até 8h da última quarta-feira (1°), foram atendidas 15.943 solicitações pelo 190. Desse total, 2.154 chamadas eram de violência contra mulher (14%) — o que equivale a dizer que, a cada 3 minutos, uma mulher foi agredida no Rio de Janeiro.
O cenário pode ser ainda mais alarmante se considerarmos que muitas vítimas não denunciam as agressões.
‘Não aguento mais esse assédio’
A psicóloga Rayana Bueno, de 25 anos, adotou como fantasia uma capa branca em que escreveu em vermelho frases de abuso e assédio que já ouviu.
Entretanto, a caminho do bloco Mulheres Rodadas na manhã de quarta-feira (1º), mesmo com a fantasia, ouviu “incontáveis comentários de homens” ao longo de apenas três quadras. Um dos assediadores chegou até a gravar com um celular Rayana e suas duas amigas, que usavam uma blusa transparente.
“O que é mais irônico é que indo para um bloco que luta contra o assédio, nós fomos assediadas inúmeras vezes. Os homens pareciam animais, só por causa de seios. O desfile é uma bolha de proteção. Lá pude tirar a blusa completamente e me sentir muito bem assim. Fora dele, é um sentimento de ameaça e medo. Por fim, é raiva e, por isso, reagi. Aquela sensação de: ‘me deixa em paz. Não aguento mais esse assédio.'”