TRT-4 aposta em representatividade
Apesar de lidar diariamente com questões envolvendo racismo, machismo, homofobia e capacitismo em ambientes de trabalho, o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4) ainda possui pouca representatividade em seu quadro de profissionais. Entre os 3.407 servidores da corte, apenas 128 (3,75%) têm alguma deficiência e 136 (3,99%) são negros (pretos e pardos). Entre os 293 magistrados, o número é ainda menor – seis (2,04%) são negros e nenhum possui deficiência.
A população gaúcha, contudo, possui 2,18 milhões de negros, conforme dados de 2015 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o que significam 19,35% de pretos e pardos no Estado. O Rio Grande do Sul também tem 2,54 milhões de pessoas com deficiência, ou seja, 23,85% do total de habitantes, de acordo com dados de 2010 do IBGE.
Para mudar essa realidade, o tribunal formará uma comissão com dez pessoas, para instituir gradualmente uma Política de Equidade de Gênero, Raça e Diversidade que diminua essas diferenças. Segundo Andréa Saint Pastous Nocchi, juíza auxiliar da presidência, há uma preocupação, ao formalizar essa política, de que as ações não fiquem só no papel. “Por isso, formaremos essa comissão buscando, nela, a representatividade entre servidores e magistrados negros, mulheres e com deficiência. O TRT-4 é composto por pessoas com orientações sexuais, identidades de gênero, cores de pele e deficiências distintas”, observa.
Além disso, a magistrada destaca que a sociedade vive um tempo de diversidade, na qual estão sendo estabelecidas, por exemplo, cotas raciais em concursos públicos do Judiciário. No último certame realizado pela Justiça do Trabalho gaúcha, dois juízes negros foram nomeados, sendo um preto e um pardo. As vagas para magistrados com deficiência, contudo, mesmo constando nos editais, nunca foram preenchidas. “Temos que estabelecer no nosso âmbito a naturalização dessas questões, para que, no futuro, talvez nem precisemos ter uma política para ter igualdade”, avalia.
Para Andréa, é necessário naturalizar o debate sobre equidade, com a população se despindo de suas formações antigas e preconceituosas, a fim de abraçar as diferenças. “É importante, para que não só preguemos a igualdade, mas também a pratiquemos. Na Justiça do Trabalho, julgamos pessoas que sofrem assédio por sua cor de pele ou por seu gênero, então precisamos ter a preocupação de que nas nossas relações possamos superar qualquer distorção”, ressalta. A situação discriminatória na Justiça do Trabalho, no entanto, é tão grave quanto na sociedade como um todo, na opinião da juíza.
Entre as demandas vislumbradas pela magistrada, está o equilíbrio na presença de negros e brancos no TRT-4, já iniciado através do estabelecimento de cotas raciais nos concursos públicos. “Temos uma proporção muito pequena de juízes e servidores pretos e pardos, agora aumentada, em razão das políticas afirmativas”, aponta.
Como forma de viabilizar a maior presença de pessoas com deficiência, proporcionalmente ainda menor do que a de negros em relação ao total de habitantes no Estado, está o aumento da acessibilidade. “Nossa sociedade não é pensada para isso. Precisamos pensar prédios e estruturas acessíveis e inclusivos. Sabemos que quando o cadeirante sai do prédio do TRT-4 para a calçada, por exemplo, já enfrenta problemas de locomoção”, salienta. No ano passado, um manual de linguagem inclusiva foi lançado pela corte, a fim de ajudar os servidores a se comunicarem em braile e Linguagem Brasileira de Sinais (Libras). Os projetos dos novos prédios já incluem adequações para deficientes visuais e cadeirantes.
Comissão será formada por servidores impactados pelas ações
As frentes são muitas, mas uma coisa é certa: é preciso ouvir quem passa de fato por problemas de acessibilidade e discriminação no dia a dia, e não falar por essas pessoas. “Temos que ter um olhar para as demandas desse grupo, de racismo, homofobia, por exemplo. Não podemos mais tratar o homem e a mulher num padrão tradicional de gênero, porque as relações não são mais assim”, cita Andréa.
Sob a ótica da juíza, não se trata de ser a favor ou contra as decisões de vida de cada um, mas sim de respeitar o outro. “Não podemos conceber que a Justiça do Trabalho pratique discriminações, e é óbvio que elas existem, pois temos uma formação preconceituosa, fruto de anos e anos de formação patriarcal e opressora e, querendo ou não, reproduzimos esse preconceito”, pontua. A ideia é transformar essa realidade na corte, enfrentando o problema. Entre as medidas já adotadas, está a realização de capacitações sobre gênero e sexualidade a servidores, através de seminários e rodas de conversa.
A comissão será formada a partir de uma eleição com servidores e juízes, com representação de mulheres, negros, lésbicas, gays, bissexuais e transgênero (LGBTs) e pessoas com deficiência. A previsão é de constituição do grupo até o final de abril. As reuniões serão iniciadas no mês de maio e deverão ser mensais. A comissão receberá demandas e fará proposições de ações imediatas. Após cada encontro, apresentará suas decisões à presidência do TRT-4. Depois disso, o grupo também terá a missão de fiscalizar a implementação das propostas, avaliar se as atividades estão dando os resultados esperados e eventualmente rever as determinações.
A ideia de diversificar os perfis integrantes da comissão é proporcionar olhares múltiplos. “Estamos muito acostumados a ver homens brancos pensando políticas para mulheres, ou mulheres brancas pensando políticas para mulheres negras. Sem serem ouvidos os verdadeiros impactados, se perde muito na hora de tomar as decisões”, revela Andréa.
A presença desde o ano passado de uma mulher na presidência do TRT-4, a desembargadora Beatriz Renck, abre espaço para um reconhecimento maior das demandas dos grupos oprimidos. “Se trata de uma pessoa que já sofreu ou sofre discriminação por ser mulher, embora seja magistrada e pertencente a uma classe privilegiada. Mesmo assim, ela é capaz de entender um pouco melhor o que é sofrer discriminação”, destaca a juíza. A instituição de uma política de equidade é fruto, segundo Andréa, de discussões realizadas ao longo de 2016 junto a servidores e magistratura, que a legitima. O objetivo é sensibilizar outros âmbitos do Judiciário a ampliar esse tipo de atitude.
Diversidade na Justiça do Trabalho
Servidores
Total: 3.407
- Homens: 1.782 servidores
- Mulheres: 1.625 servidores
- Deficientes: 128 servidores (3,75%)
- Negros: 136 (3,99%)
Magistrados
Total: 293
- Homens: 148
- Mulheres: 145
- Negros: 6 (2,04%)
Foto: Para Andréia Saint Pastous Nocchi, Justiça do Trabalho precisa, além de pregar igualdade, praticá-la CLAITON DORNELLES/JC