Redes de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher: trabalho de formiguinha
Por Fernanda La Cruz* – Na Restinga, apenas uma delegacia atende a população de aproximadamente 60 mil habitantes. A Patrulha Maria da Penha, que dispõe de uma só viatura, recebe cerca de três a quatro novos casos de agressão contra mulheres diariamente. Esse e outros assuntos ligados à segurança e violência foram discutidos durante o 14º Curso de Formação de Promotoras Legais Populares (PLPs) da Restinga, em Porto Alegre (RS), no dia 27 de junho de 2015.
Em uma investida para reverter este quadro, foi criada a Rede de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher com o apoio da Secretaria de Políticas Para Mulheres da Presidência da República. Na comunidade da Restinga, a rede é formada por núcleos que atuam em diferentes setores. Sandra Silveira, coordenadora do Centro de Referência Especializada em Assistência Social (CREAS), reconhece que o número de ocorrências na região é alto, mas explica que uma cultura violenta terá fim com tempo, diálogo e educação. “A ruptura da violência não é algo que se dá num estalar de dedos. Às vezes leva um ano, mas pode levar vinte. É demorado, mas é importante entender uma coisa: que mulher gosta de apanhar?”.
As redes trabalham de forma articulada a fim de garantir auxílio psicológico, jurídico e assistencial às vítimas de violência doméstica ou familiar. No entanto, o aprimoramento do serviço é necessário para que o sistema funcione com eficácia. “Se não tiver viatura, assistência social e um abrigo pra dar respaldo e tirar a mulher do local em que ela está sendo agredida, como vamos trabalhar?”, avalia Sandra. Outro fator que compromete o funcionamento do programa é a falta de profissionais habilitados para atender vítimas em situação de vulnerabilidade. “Muitos funcionários não compreendem a complexidade das ocorrências e não sabem como agir nessas circunstâncias”, afirma a coordenadora.
Atualmente, a delegacia não dispõe de atendimento especializado em violência. A escrivã da 16ª Delegacia da Restinga, Elisângela Almeida, admite: “Fazemos de tudo, mas não estamos preparados para atender certos casos. A gente faz perguntas com medo de invadir a privacidade da vítima. Ouvir uma criança abusada pelo pai, por exemplo, é muito sofrido pra mim e para a criança…”. Esse fator compromete a resolução dos casos e se reflete no crescimento de ocorrências registradas de maus tratos de idosos e violência contra crianças, adolescentes e mulheres.
As dificuldades também aparecem quando há necessidade de encaminhar alguns casos para outras centrais de atendimento. “Já aconteceu de levar uma criança vítima de violência para o DECA (Delegacia de Polícia para Crianças e Adolescentes) e a família não ter nem condições para retornar. São 22 km até a delegacia. Aí temos que esperar três horas para voltar, o que significa uma viatura e dois policiais a menos na Restinga”, relata a escrivã.
As políticas públicas devem garantir ainda a segurança e a integridade, tanto da população, como dos servidores que atuam no combate à violência. “É importante pensar que a proteção também deve se estender a quem trabalha nessa investida. A vítima tem toda sua estrutura organizada ali: filhos na escola, trabalho, familiares e amigos. Mas o profissional também sofre com o medo de agressões quando entra neste círculo”, aponta Sandra Silveira.
O papel da Rede de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher é atuar conjuntamente com outros órgãos, como Ministério Público e as delegacias, intermediando diálogos e avaliando os riscos e consequências dos crimes dentro das comunidades. Para Dejanira Correa, membro da Comissão Distrital de Saúde da Restinga, a iniciativa opera como “um trabalho de formiguinha”. Contudo, o comprometimento da Rede, e iniciativas como da ThEMIS, atuam como facilitadoras para disseminar igualdade de direitos para todos os gêneros dentro das comunidades.
*Estudante de Jornalismo da UniRitter/Colaboradora
Confira aqui o álbum completo de fotos do 14º Curso de Formação de PLPs.
O curso é uma promoção da ThEMIS Gênero e Justiça, com o apoio da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM/PR)