Há 25 anos na defesa e promoção dos direitos das mulheres

Artigo de opinião: Sobre ter orgulho de ser ou de se assumir solidário com a causa LGBTI

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Inteligente não é quem sabe para onde ir, mas quem aprendeu para onde não quer voltar!Sobre o 28 de junho.

 

Fernando Seffner

Integrante do Conselho da Themis, professor da Faculdade de Educação UFRGS

 

O dia 28 de junho lembra muitas coisas. Dentre as principais, lembra um momento do passado, que agora em 2019 completa 50 anos. Pois foi nesse dia, em 1969, na cidade de Nova York, mais precisamente no bar Stonewall Inn e em seus arredores, que gays, lésbicas, travestis e pessoas trans reagiram a mais uma das constantes investidas policiais que intimidavam os frequentadores do bar. A polícia nova-iorquina se sentia no direito de humilhar as pessoas que por ali circulavam pelo simples motivo de que essas pessoas não correspondiam ao que se esperava em termos de gênero e sexualidade. Essas pessoas estavam, supostamente, “fora da norma”. Esse era o “crime” daquelas pessoas que faziam do bar e de outros lugares do mesmo bairro sua área de sociabilidade. Elas queriam apenas existir, serem felizes do seu jeito, amando a quem desejavam amar, expressando seu desejo erótico por quem percebiam como possíveis parceiros ou parceiras. Na noite do 28 de junho elas reagiram, enfrentaram a polícia, repetiram isso nas noites seguintes, e acabaram por catalisar um processo que de modo um tanto similar já ocorria em outros países, reivindicando o direito de não serem humilhadas por conta dos seus atributos de gênero e sexualidade. Há uma série de controvérsias e disputas em torno desse movimento, em particular quando se busca situar quem foram seus protagonistas principais, mas uma coisa é certa: ele se estabeleceu como um marco na luta de resistência da população que hoje conhecemos pela sigla LGBTI, por vezes com algum acréscimo de outras letras. Para saber um pouco mais da história dessa data, de suas consequências para o Brasil e inclusive na geração de um movimento social LGBTI em Porto Alegre, aproveite para visitar a exposição “De Stonewall ao Nuances: 50 anos de Ação”, no Memorial do Rio Grande do Sul.

 

Mas o 28 de junho não lembra apenas um momento do passado. Sua importância maior hoje em dia é que ele lembra um passado vivo, um passado que não passa, por mais esforços que se tenha feito para que ele seja superado. O 28 de junho fala de um tema sensível, de uma ferida aberta na sociedade brasileira e mundial, de uma questão socialmente controversa, a saber, o direito à livre expressão de gênero e de sexualidade como direito importante de uma sociedade que se pretenda democrática. O 28 de junho é momento para lembrar que em 2019 ainda temos, dentre os 193 países que se agrupam nas Nações Unidas, pelo menos 70 onde de modo explícito a legislação pune, em graus variados, a livre manifestação da diversidade de gênero e de sexualidade. E por vezes pune também aquelas pessoas “normais” que, ao perceber que seu vizinho ou amigo ou amiga manifestam preferências “fora da norma”, não se dirigem a uma delegacia para denunciá-las. Ou seja, para além de proibir manifestações de diversidade de gênero e sexualidade, há legislações que estimulam a delação e punem aqueles que viram ou perceberam algo “diferente” em seus grupos de sociabilidade e não os delataram. Para saber detalhes, leia a reportagem acerca do último levantamento mundial feito pela ILGA (International Lesbian, Gay, Bisexual, Trans and Intersex Association) ou leia o relatório completo, e veja o que ele fala, por exemplo, do Brasil.  Mas você pode querer não ler nada sobre o assunto! Sem problemas. Olhe com atenção a galeria de fotos que mostra pessoas que vivem em lugares onde seu jeito de amar é ilegal, mire seus rostos, busque perceber nos detalhes das fotos o medo, mas também as formas de resistência, de quem simplesmente quer ser livre para amar, clicadas no projeto ‘Where Love is Illegal’.

     

 

 

 

 

 

 

 

 

Imagens do projeto ‘Where Love is Illegal’

 

“Nada está assegurado, tudo depende de uma constante vigilância política e ativista. A democracia não é um patamar que uma vez alcançado podemos cruzar os braços e nele nos deitar. Ao contrário, nossos braços devem sempre estar em ação para defender as liberdades democráticas.”

-Fernando Seffner

A leitura de matérias, reportagens e relatórios, e a consulta a artigos que analisam avanços e recuos em cada país do mundo, disponibilizados periodicamente pelo Observatório de Sexualidade e Política (SPW na sigla em inglês), mostra o complexo jogo de disputas em termos da liberdade de expressão em gênero e sexualidade. Mostra também como é difícil estabelecer um regime democrático que contemple a liberdade de poder dispor de seu corpo para realizar seus desejos eróticos, em livre consentimento com os parceiros, nos diversos locais do mundo. Para leitura de artigos em língua portuguesa clique e navegue em https://sxpolitics.org/ptbr/. O que se percebe é que desde que os levantamentos iniciaram, em torno de 1969, a situação melhorou muito em muitos lugares. Mas o cenário político contemporâneo mostra a fragilidade dessas conquistas. Legislações progressistas e que respeitam os direitos humanos em certos lugares são atropeladas por legislações de cunho conservador e profundamente punitivas em outros locais. Nada está assegurado, tudo depende de uma constante vigilância política e ativista. A democracia não é um patamar que uma vez alcançado podemos cruzar os braços e nele nos deitar. Ao contrário, nossos braços devem sempre estar em ação para defender as liberdades democráticas.

 

O Brasil convive hoje com autoridades públicas dizendo que “mulheres que amam mulheres são uma aberração”, e que “meninos devem vestir azul e meninas devem vestir rosa”. Convive com a proposta de terapias de reconversão, ou tratamentos para cura gay, quando nossa própria legislação já assumiu, há anos, que a homossexualidade não é uma doença. Convive com manifestações explícitas de homofobia no espaço escolar, nos espaços públicos, e com a retirada de financiamento para políticas de promoção da igualdade de gênero e sexualidade. Neste clima de constantes ataques à liberdade de expressão, o que temos a comemorar é a recente decisão do STF que aprovou a criminalização da homofobia, embora com ressalvas, como se pode ver.

 

O 28 de junho não diz respeito apenas à população LGBTI, embora seja conhecido popularmente como dia do orgulho gay. As paradas que acontecem em todos os estados do Brasil mostram isso. Não são apenas gays, lésbicas, travestis e transexuais, intersex que comparecem nelas. Muitas outras pessoas percebem que temos ali uma luta que diz respeito à liberdade de expressão individual e de coletivos sociais em torno do erotismo e do uso de nossos corpos para o prazer. O 28 de junho lembra cada um e cada uma que não haverá democracia se não entendermos que a democracia vale também para a livre expressão do gênero e da sexualidade. Temos a difusão de um pensamento moralmente conservador na sociedade brasileira e mundial que diz que cada um de nós só pode ser uma coisa em termos de gênero e sexualidade, e que isso está definido ao nascer, por certa conformação biológica. Afirmamos aqui algo muito diferente. Cada pessoa pode ser uma coisa e outra, ou muitas coisas, de muitos e diferentes modos, ao mesmo tempo ou em momentos diversos ao longo da vida, expressando seus desejos eróticos e seus modos de viver gênero e sexualidade, em livre consentimento com parceiros ou parceiras que assim desejarem. Isso é ampliação das possibilidades de viver, é ampliação dos limites da felicidade pessoal e coletiva. Quem não quiser viver certos prazeres não é obrigado a vive-los. Apenas não bloqueie o desejo dos outros pelo simples motivo que você não deseja aquilo. Por conta disso, não importa qual seu gênero, qual sua orientação sexual, qual seu leque de desejos eróticos, qual sua definição de prazer, quais os modos com que você usa seu corpo, quais estratégias que você tem para buscar parceiros e parceiras, se você se considera integrando os grupos da sigla LGBTI ou não. Nada disso importa, importa é que você perceba que quando grupos (e no atual momento governos eleitos) pretendem retirar direitos de algumas pessoas por conta de seus desejos de como viver gênero e sexualidade, o que esses grupos conservadores estão fazendo é diminuir a democracia de todos nós. Seja inteligente, não queira voltar a viver em uma sociedade de baixa densidade democrática. Se esperto ou esperta, perceba que a democracia está mais perto das questões de gênero e sexualidade do que se imagina! Se associe à defesa da liberdade de expressão e diversidade em gênero e sexualidade, para que você mesmo possa viver sua parcela de liberdade, nesse e em todos os demais assuntos da vida!

 

Fernando Seffner  possui Graduação em Geologia e Licenciatura Plena em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Mestrado em Sociologia e Doutorado no Programa de Pós-Graduação em Educação UFRGS (2003). Professor Associado IV da Faculdade de Educação da UFRGS Departamento de Ensino e Currículo. Docente e orientador junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEDU) na linha de pesquisa Educação, Sexualidade e Relações de Gênero, com ênfase temática nas pedagogias de construção das masculinidades. Docente e orientador no Mestrado Profissional em Ensino de História – PROFHISTÓRIA, polo UFRGS. . Atua em pesquisas e orientações investigando processos de produção, manutenção e modificação das masculinidades, situações de vulnerabilidade à AIDS; conexões entre direitos humanos e políticas públicas de gênero e sexualidade, teorizações queer, interseccionalidade e marcadores da diferença. 


Veja outras notícias

.