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Entenda como a Lei de Alienação Parental pode ser considerada violência de gênero contra mulheres e representar risco às crianças 

As formas de violência contras as mulheres ultrapassam as previstas pela Lei Maria da Penha no Brasil. A violência de gênero pode estar estruturada também em mecanismos legais que estão sendo utilizados de forma equivocada no país, como é o caso da Lei de Alienação Parental (LAP), Lei nº12.318/2010. 

A LAP deveria proteger crianças e adolescentes da influência psicológica e da construção negativa da imagem de um dos genitores quando acontece, por exemplo, a separação do casal. Entretanto, essa Lei está sendo utilizada em muitos casos para beneficiar pais agressores, que, inclusive, já foram denunciados por violência doméstica, colocando crianças e adolescentes em risco de agressão e abuso, como explica a professora e integrante do Coletivo de Proteção à Infância Voz Materna, que defende a revogação da LAP e o não uso do termo, Sibele de Lima Lemos.“A Lei da Alienação Parental, como está escrita, deveria ter sua utilização voltada aos litígios em que há um desvio na conduta, entre um dos adultos, e não, em casos onde há suspeitas de violências ocorridas, por exemplo. As suspeitas devem ser devidamente averiguadas e não desacreditadas e transformadas em falsas memórias. Nós defendemos que o Estatuto da Criança e do Adolescente possui mecanismos específicos de devesa e proteção desses filhos e filhas, dessa forma, a LAP não é necessária e não deveria existir.” Além disso, Sibele explica que o Coletivo é contrário ao uso do próprio termo alienação parental. “O termo foi criado pelo médico perito Richard Gardner, nos EUA, que tem seu trabalho vinculado à pedofilia. Há também a grave questão de que não existe comprovação científica sobre o uso do termo.”

Para o Coletivo, quando há uma denúncia de violência doméstica contra o genitor, seja ela violência física, sexual, moral, psicológica ou patrimonial, e ainda há casos de violência contra os filhos destas vítimas, como maus tratos, negligência e suspeita de abusos sexual, o uso da Lei da Alienação Parental não deve ser aplicado.  Segundo o Coletivo, além do uso equivocado do termo, nestes casos citados a investigação deveria acontecer prioritariamente em esfera criminal e que a Vara da Família, atualmente a que cuida desse tipo de situação, não tem competência para julgar estes crimes. “Frequentemente, somos impedidas e ameaçadas por Juízes, Promotores, Desembargadores, de falar em qualquer forma de violência que tenhamos sofrido ou continuamos sofrendo, usando de ameaça e sanções de afastamento de nossos filhos e filhas e muitos sendo entregues aos genitores agressores ou abusadores”, relata Sibele.

Violência dentro de casa

Para o Coletivo Voz Materna, o uso da Lei da Alienação Parental tem desqualificado a palavra das mães e das filhas e filhos que são vítimas de violência, em muitos casos expondo-as novamente aos seus agressores. Além disso, muitas situações de violência ocorrem em ambiente privado, o que dificulta a produção de provas. 

Existem levantamentos que apontam a casa como o lugar em que mais ocorre agressão e abuso sexual de crianças e adolescentes. Segundo dados do Observatório do Terceiro Setor, quase 7 em cada 10 crianças (67%) da América do Sul e do Caribe, com idades entre 1 e 14 anos, já sofreram punições corporais. No Brasil, 68% das crianças brasileiras com até 14 anos, o equivalente a 30,3 milhões de crianças, já sofreram violência corporal em casa. Além disso, 58,9% das denúncias recebidas pela Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, via canais como o Disque 100, são referentes a algum tipo de violência contra crianças e adolescentes. Só em 2017, foram 84.049 denúncias do tipo. No ano anterior, em 2016, haviam sido 76.171. Os principais tipos de violência denunciadas são: negligência (61.416), violência psicológica (39.561) e violência física (33.105). O balanço da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos aponta, ainda, que 57% dos casos de violência contra crianças e adolescentes denunciados acontecem dentro da casa da vítima. As vítimas mais frequentes são meninas negras com idades entre 4 e 17 anos. 

Pedido de revogação da Lei 

Diante desse cenário e da discriminação contra mulheres existente nos processos judiciais de separação, que em muitos casos utilizam a LAP à favor dos pais que são agressores, foi elaborada uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) que busca a revogação da Lei de Alienação Parental. 

A Ação foi desenvolvida pela Associação Nacional de Advogadas pela Igualdade de Gênero (AAIG), na qual a advogada e sócia da Themis Rúbia Abs Cruz faz parte, que recentemente ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) a ADI 6273, com pedido de medida liminar, contra a LAP. A relatora é a ministra Rosa Weber.

A associação defende que a tese de alienação parental se banalizou e vem sendo usada para enquadrar todo tipo de divergência em disputas judiciais de divórcio, guarda, regulamentação de visitas, investigações e processos criminais por abuso sexual. Para a entidade, o conceito tem servido como estratégia de defesa de agressores de mulheres e abusadores sexuais de crianças para oferecer uma explicação para a rejeição da criança em relação a eles ou para fragilizar as denúncias, deslocando-se a culpa para o genitor que tem a guarda, geralmente mães que agem para proteger seus filhos.

Segundo a AAIG, as medidas previstas na lei para a preservação da integridade psicológica da criança e do adolescente podem ser determinadas independentemente de perícia, mecanismo que é utilizado atualmente, e não há previsão de prazo para resposta da parte contrária, notificação em relação ao reconhecimento de uma suposta alienação ou qualquer menção ao modo como o contraditório possa ser exercido. Outro questão  é o que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) se norteia por uma intervenção mínima das instituições estatais de proteção e permitem a tomada de medidas em caráter de urgência nas hipóteses de situação de risco à criança ou adolescente, não sendo necessária outra lei para isso.

No último dia 10, foi protocolado o Projeto de Lei 6371/2019, na Câmara dos Deputados, que busca também a revogação da LAP. O PL está na Comissão de Seguridade Social e Família e aguarda parecer. No México, a mesma lei foi revogada em 2017, de acordo com uma recomendação da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos. 


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