Há 25 anos na defesa e promoção dos direitos das mulheres

Beatriz Pedreira, cientista social: “A participação da mulher na política está em disputa”

Crédito: Isa Brant, divulgação

Durante um ano, a cientista social Beatriz Pedreira, cientista social e co-fundadora do Instituto Update, percorreu seis países da América Latina para entrevistar mais de cem mulheres eleitas para cargos políticos. O estudo transformou-se no documentário Eleitas, lançado este ano, com três episódios que mostram as conquistas e os desafios das mulheres na política no Brasil, na Argentina, no Chile, no México, na Colômbia e na Bolívia. Às vésperas das eleições municipais, a Themis convidou Beatriz para compartilhar algumas de suas percepções após conhecer experiências tão distintas ao longo do continente e contar o que muda quando as mulheres chegam ao poder.

 

Pela experiência nos países visitados, o que muda quando as mulheres ocupam a política?

As mulheres com consciência de gênero, que sabem que, para estar ali, muitas outras abriram o caminho antes, garantem que nossos direitos não sejam retirados e batalham pela ampliação do direito das mulheres. Quando essas mulheres, com um reconhecimento do caminho feminista, são eleitas, o que muda, basicamente, é a noção de poder. As mulheres com consciência de gênero estão muito mais orientadas para a resolução de problemas. Elas geralmente não estão ali porque querem capital político. Estamos falando de um grupo que está buscando inovação e trazendo novas perspectivas para a política. Elas estão ali para resolver o problema e têm uma orientação muito maior pela busca de consenso. E isso é, por si só, um valor democrático. As mulheres são, hoje, o caminho para a manutenção da democrática, para superar a crise que a democracia está passando hoje. 

 

Quais outras características das mulheres políticas são importantes para a democracia neste momento?

Outra característica das mulheres, e observamos isso em todos os países visitados, é a ação transversal. Porque buscam consenso, elas estão muito mais abertas a realizar conversas trans-ideológicas ou transversais que avançam ou que superam as barreiras partidárias, porque elas entendem que é preciso estar em diálogo. As mulheres também trazem para a política a questão do pragmatismo empático: elas usam a empatia, a escuta ativa para entender a necessidade do outro para construir caminhos alternativos e sustentáveis e criar pactos. Além disso, elas também atuam em redes de colaboração: estão mais conectadas com a sociedade civil, com agendas reais, territórios e a própria realidade. Ainda em assuntos que não dominem, elas buscam especialistas que representam ideias que elas defendem para construir alianças e políticas públicas a fim de se conectar com as necessidades da população que elas representam. É a política em rede, porque atua em interação com a sociedade civil. E as mulheres atuam em rede porque elas não chegam sozinhas ao gabinete, valorizam o processo colaborativo. Elas também trazem à política uma ética criativa, elas têm a criatividade como valor, porque entendem que as práticas políticas atuais não estão resolvendo os problemas, e é preciso criar novas práticas.

 

Poderia mencionar alguns exemplos dessa ética criativa?

Um exemplo é o coletivo La Tesis, do Chile, que criou uma coreografia que fortaleceu o movimento das mulheres e conseguiu colocar na pauta a paridade da Constituinte. Ou a Marea Verde, na Argentina, que traz o símbolo do lenço, mas também cria uma construção descentralizada das sororas, um grupo de deputadas que ficou três meses discutindo a legalização do aborto a partir de várias perspectivas e gerou uma grande mobilização na sociedade. E os mandatos coletivos, que são a grande contribuição das brasileiras para a política da América Latina, permitindo que mais pessoas acessem o poder, e é um hackeamento do sistema e uma prática criativa por definição. 

 

Como fomentar e aumentar a participação das mulheres na política no Brasil?

No Brasil, estamos vivendo um boom, e isso é muito animador e inédito. O assassinato de Marielle Franco traz uma urgência para o debate que as mulheres começaram a despertar, e muitas mulheres negras passaram a entender a importância de se colocar politicamente, pautando o debate. A eleição de Jair Bolsonaro também fez aumentar o número de mulheres debatendo, de fato, da necessidade de representantes na política. E isso em um curto período de tempo. Em maio de 2019, fizemos um breve levantamento e mapeamos 80 coletivos de mulheres discutindo essas questões. Fortalecer esses movimentos, fazer parte, seguir eles, comentar, se engajar e falar sobre votar em mulheres, questionar por que não existem mulheres nos espaços políticos é uma forma de fomentar a participação. Precisamos continuar falando sobre isso e nos movimentar. A gente precisa ganhar mais união, apesar das nossas diferenças políticas. E precisamos vencer uma onda que vem aí, porque com a agenda de mais mulheres na política, também há muitas mulheres com uma agenda anti-mulher. A participação da mulher na política está em disputa, e precisamos vencer representando o lado do aumento dos direitos para as mulheres. 

 

Quais são, ainda, os principais desafios para a paridade de gênero?

A paridade de gênero tem um principal desafio, que é o cultural. Isso é muito importante de se falar, porque na Bolívia, por exemplo, o primeiro país da região a ter paridade no Legislativo, Executivo e Judiciário, se vê isso: avanços incríveis e marcos institucionais que são muito importantes, mas não são suficientes. Eles precisam estar atrelados ou imbuídos de um fator que é a mudança cultural. Então, as pessoas precisam entender a necessidade da paridade. A paridade foi aprovada no México em maio deste ano, num processo muito mais da sociedade civil organizada por meio das mulheres políticas eleitas, que conseguiram movimentar uma agenda que vinha sendo construída há mais de 20 anos. Mas não teve uma grande mobilização da sociedade, e isso foi motivo de muito choque para nós. Estávamos lá, no meio de um momento no qual o México aprovava a paridade constitucional, mudando a Constituição. Achamos que, no dia seguinte, isso seria o principal assunto dos jornais. E não: tinha só uma notinha minúscula, mostrando a invisibilidade, ainda, do direito das mulheres. A paridade é um caminho longo, é um caminho de mudança cultural. Estamos em um processo de mudança cultural das mulheres, isso vem ganhando força, mas precisamos de mais força para que façamos uma mudança na qual a paridade seja uma realidade. Porque, depois que se muda uma regra, e se tem uma Constituição, você tem um processo paritário, você precisa fiscalizar que a paridade está ocorrendo, que não está tendo violência política. Por exemplo: na paridade do México, elas falaram muito sobre a necessidade de se ter uma classe de mulheres juízas que também esteja olhando para cada cidadezinha que deve ter paridade no Legislativo para ver como a lei está sendo aplicada. É um sistema que precisa inteiramente de uma mudança cultural. No Brasil, me parece que ainda estamos um pouco longe disso, porque não estamos discutindo a paridade no país.


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