Há 25 anos na defesa e promoção dos direitos das mulheres

Violação da autonomia reprodutiva feminina

Por Carmen Hein de Campos*

A Resolução 2.232 (17/07/2019) do Conselho Federal de Medicina (CFM) publicada em 16/09/2019  que “Estabelece normas éticas para a recusa terapêutica por pacientes e objeção de consciência na relação médico-paciente” revela uma instrumentalização ideológica normativa violadora da autonomia reprodutiva das mulheres. Práticas médicas como episiotemia (corte do períneo); o “ponto do marido” (sutura após a episiotomia para deixar a vagina mais “apertada”); a manobra de Kristeller (pressionar a parte superior do útero para facilitar e acelerar a saída do bebê) dentre outras, são violências obstétricas condenadas pela Organização Mundial de Saúde.

Porém, o médico pode não aceitar a recusa terapêutica em situação de risco relevante à saúde de paciente adulto que “não esteja no uso pleno de suas faculdades mentais” (art. 3o). Pode-se questionar: em que momento será verificada a plenitude das faculdades mentais e por quem? 

Ademais, a Resolução dispõe que “a recusa terapêutica manifestada por gestante deve ser analisada na perspectiva do binômio mãe/feto, podendo o ato de vontade da mãe caracterizar abuso de direito dela em relação ao feto” (§ 2º  do art. 5o ). O artigo desrespeita normas legais e internacionais de direitos humanos, ameaça a gestante e induz a priorizar a vida do feto. O Código Penal autoriza a realização do aborto necessário (art. 127,I) para salvar a vida da gestante. Estaria relativizada a norma penal? Uma intervenção necessária à saúde da gestante que prejudica a vida do feto poderá ser considerada abuso? No Caso L.C versus Peru o estado peruano foi responsabilizado internacionalmente porque médicos se recusaram a fazer uma cirurgia de coluna em L.C porque prejudicava o feto e isso foi determinante para que L.C. ficasse tetraplégica.

A resolução do CFM intrumentaliza a prática médica limitando a autonomia reprodutiva feminina. Dispositivos que violam direitos humanos consagrados constitucional e internacionalmente devem ser reformados ou não aplicados.  

*Doutora em Ciências Criminais (PUCRS), sócia da Themis e professora da UniRitter

  


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