Há 25 anos na defesa e promoção dos direitos das mulheres

As mulheres do Rio se unem contra assédio em blocos, mas são alvo de agressão a cada 3 minutos no Carnaval

Via: The Huffington Post Brasil.

 

Foliona escreve trecho de letra de Caetano Veloso no corpo no bloco Mulheres Rodadas.

Foliona escreve trecho de letra de Caetano Veloso no corpo no bloco Mulheres Rodadas.

Apesar de ações contra assédio sexual, violência sofrida por elas no Carnaval do Rio ainda é grande.

Rio de Janeiro – “Cara, você tá maluco?” A figurinista Helena Tyrell conversava com amigas em um ensaio de pré-Carnaval da Orquestra Voadora no Aterro do Flamengo, zona sul do Rio de Janeiro, quando um rapaz — que nenhuma das meninas conhecia — surgiu na roda e beijou o ombro de uma das garotas. A reação ao assédio sexual foi imediata e contagiou outras mulheres ao redor.

“A gente começou a se colocar pra cima dele e a expulsar ele dali. Outras meninas perto vaiaram o cara. Fiz o que sempre faço em situação dessas: começo a pregar o respeito às pessoas. Essa movimentação começou comigo e duas amigas, e foi muito bonito, várias mulheres e homens em volta também começaram a repudiar o cara, falando alto: ‘Machista sai daqui, isso é assédio. Cara, nenhuma mulher quer isso, ninguém te convidou, ninguém te conhece. Você não tem autorização para fazer isso’. Ele ficou constrangido e saiu de perto.”

Esse tipo de mobilização ante situações de assédio sexual se repetiu durante o Carnaval carioca. De maneira espontânea, folionas reagiram contra assediadores em apoio a vítimas.

No entanto, apesar da rede de proteção, a violência contra a mulher ainda é grande — registros da Polícia Militar apontam que a cada 3 minutos uma mulher foi agredida durante o Carnaval do Rio de Janeiro.

A analista de marketing Flávia Dias relata ter testemunhado uma ambulante ser agredida pelo marido durante o bloco Fogo e Paixão. Foliões afastaram o agressor, que fugiu, e mulheres fizeram guarda ao redor da vítima para que ela pudesse trabalhar até o final da apresentação.

O marido rasgou a roupa dela. Ele a deixou numa condição muito vulnerável, nua no meio de um bloco, enquanto ela estava trabalhando. Várias outras mulheres chegaram perto e ficaram protegendo ela. Eu cheguei a tirar parte da minha fantasia e dei meu top para ela não ficar com o peito de fora.
Flávia Dias, do coletivo feminista Todas por Todas, em entrevista ao HuffPost Brasil
Já a estudante Taís Souza, de 27 anos, ajudava a isolar o Bloco do Pasmadeiro na última terça-feira (28), quando foi atacada. Um amigo deu um empurrão para afastar o assediador. “O cara se aproveitou porque eu estava com as duas mãos ocupadas na corda humana. Ele me encoxou, segurou meu rosto e tentou me beijar. Daí meu amigo deu um chega pra lá nele.”

A bióloga Maria Fernanda Silva, de 34 anos, que curtia o Carnaval na noite de sábado (25) no Ifcs (Instituto de Filosofia e Ciências Sociais), da UFRJ, reagiu juntamente com uma amiga após ouvir grosserias de um folião. “Ele e os amigos começaram a discutir com a gente, como se estivessem certos. No final, uns rapazes chegaram e separam eles, pedindo que eles fossem embora.”

Após ser tocada por um desconhecido em um bloco carnavalesco, a arquiteta Raffaela Chinelli também contou com o apoio de outras folionas. “Estou sentindo a sororidade diferente. No cortejo do Afrojazz, um cara apertou minha bunda e nenhuma mulher que estava em volta deixou barato. A gente está fazendo escândalo e não estamos mais passando de louca. Estamos nos apoiando mais. Eu achei muito bonito esse apoio.”

Raffaela, que é percussionista e integra o coletivo feminista Todas por Todas, não arrisca dizer que já se sente segura, mas observa que homens e mulheres estão mais conscientes ante o problema — com homens respeitando e mulheres se impondo.

A gente passava batido em relação a essa invasão do espaço, de segurar, pegar no cabelo. As pessoas não colocavam isso na conta do assédio. É uma evolução.
Raffaela Chinelli, arquiteta, em entrevista ao HuffPost Brasil
O poder dos adesivos e das frases contra a violência

O Todas por Todas, grupo que nasceu no Carnaval para combater a violência não física contra mulheres, decidiu ir às ruas para fortalecer ainda mais esse movimento. Blocos de Carnaval cariocas foram tomados por frases como “fantasia não é convite”, “segurar pelo cabelo não é seduzir” e “beijo não é pedágio”.

Com apoio de blocos, o coletivo feminista imprimiu 6.000 adesivos com as frases. As mensagens contra o assédio circularam coladas a corpos, fantasias e instrumentos musicais.

Houve até foliona que disse ter se sentido mais segura com o adesivo. “Achei interessante o poder dos adesivos. Simples e potente. Me senti mais protegida até… Sororidade”, postou Flora Bulcão no Facebook.

A campanha ainda chamou a atenção para a importância de se denunciar: “com violência não se brinca. Disque 180”.

Segundo a Polícia Militar, de 8h de sábado (24) até 8h da última quarta-feira (1°), foram atendidas 15.943 solicitações pelo 190. Desse total, 2.154 chamadas eram de violência contra mulher (14%) — o que equivale a dizer que, a cada 3 minutos, uma mulher foi agredida no Rio de Janeiro.

O cenário pode ser ainda mais alarmante se considerarmos que muitas vítimas não denunciam as agressões.

‘Não aguento mais esse assédio’

A psicóloga Rayana Bueno, de 25 anos, adotou como fantasia uma capa branca em que escreveu em vermelho frases de abuso e assédio que já ouviu.

Entretanto, a caminho do bloco Mulheres Rodadas na manhã de quarta-feira (1º), mesmo com a fantasia, ouviu “incontáveis comentários de homens” ao longo de apenas três quadras. Um dos assediadores chegou até a gravar com um celular Rayana e suas duas amigas, que usavam uma blusa transparente.

“O que é mais irônico é que indo para um bloco que luta contra o assédio, nós fomos assediadas inúmeras vezes. Os homens pareciam animais, só por causa de seios. O desfile é uma bolha de proteção. Lá pude tirar a blusa completamente e me sentir muito bem assim. Fora dele, é um sentimento de ameaça e medo. Por fim, é raiva e, por isso, reagi. Aquela sensação de: ‘me deixa em paz. Não aguento mais esse assédio.'”


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