Há 25 anos na defesa e promoção dos direitos das mulheres

Alunas do Anchieta protestam pelo direito ao short: ‘o machismo não decide a minha roupa’

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Cerca de 300 alunas do Colégio Anchieta, em Porto Alegre, se reuniram na manhã desta quarta-feira (24) para protestar contra a proibição ao uso de shorts na escola. As meninas de 13 a 17 anos combinaram, pelo Facebook, de ir de blusa preta e shortinho ao colégio, onde sentaram em uma quadra de basquete no pátio, levantaram cartazes e cantaram músicas de empoderamento feminino. A mobilização que iniciou pelas redes sociais na terça-feira (23) alcançou um público muito maior do que o esperado pelas jovens, e um abaixo-assinado já conta com mais de 7 mil assinaturas.
Autora do manifesto divulgado pelas estudantes, Giulia Morschbacher, do 2º ano do Ensino Médio, conta que elas “não faziam ideia” do alcance que a reivindicação teria. Ela leu o texto durante o protesto, enquanto as outras meninas repetiam mais alto o que ela falava, para disseminar o que estava sendo dito. Em seguida, a jovem de 15 anos foi recebida pelo diretor acadêmico, o qual relatou estar aberto para o diálogo sobre o assunto. Dentre os cartazes levados pelas meninas, havia frases exigindo respeito e direitos, como “o machismo não decide a minha roupa” e “vestida ou ‘pelada’, quero ser respeitada”.
As meninas relatam que há casos em que quem vai de short é chamada pela escola e avisada que a roupa não é adequada. “Geralmente no primeiro mês de aula eles têm uma tolerância maior, de chamar e avisar, e aí depois avisam os pais e depois pedem para trocar ou ir para casa”, relata Giulia. O ano letivo teve início na quinta-feira da semana passada (18) na escola.
A iniciativa começou com duas alunas do nono ano e foi se expandindo, contando agora também com estudantes do Ensino Médio e, em menor número, do sétimo e oitavo ano do Ensino Fundamental. “Eles acham que é um problema a gente mostrar as pernas, sendo que isso é uma coisa tão normal, não deveria ser sexualizada, a gente devia ter liberdade de mostrar o corpo sem ser sexualizado”, aponta Marina Stein, de 14 anos. Ela conta que começou a se interessar por feminismo no início do ano passado. “Desde então, pesquiso muito na internet, estou em vários grupos e basicamente é minha vida agora, sou muito interessada nessas questões”, relata.

Da mesma forma, Giulia também começou a se interessar pelos direitos das mulheres ainda no Ensino Fundamental. “Faz uns dois anos que comecei a pesquisar sobre feminismo, até na minha sala sou vista como a ‘problematizadora’ por isso. E eu não sabia que tinha tantas meninas que também conheciam e se interessavam tanto, isso também foi uma surpresa pra mim”, comemora. Agora, as meninas se comunicam por Facebook e WhatsApp.
Segundo as regras de convivência da escola, não seria permitido usar regata, chinelo e shorts, mas as estudantes contam que o que mais “cria problema” é esta última peça. “Está calor, não tem como a gente ficar se escondendo pra não deixar os meninos desconfortáveis, porque aparentemente seriam animais irracionais”, ironiza Marina. Há alguns anos, Giulia já vinha questionando essa norma com o diretor e secretários da escola, mas a discussão nunca teve continuidade por se tratar de uma iniciativa isolada. “Agora, com um grupo maior, tivemos mais força e eles decidiram abrir mais para o diálogo”, relata.
No manifesto escrito por ela, Giulia critica não apenas o machismo da proibição, mas também questiona a falta de aprendizados sobre questões de feminismo e de gênero no currículo escolar. “A educação social e política não pode ser deixada de lado. É por meio dela que construiremos uma geração melhor que a anterior; é por meio dela que criaremos um mundo onde mulheres não serão julgadas e humilhadas pelas roupas que escolhem vestir, pela forma que tem ou por quantas pessoas já transaram; é por meio dela que acabaremos com a realidade de que, a cada 2 minutos, 5 mulheres são espancadas no Brasil e, a cada 11 minutos, 1 é estuprada”, aponta.
Por meio de nota, a escola afirmou estar acompanhando a reivindicação, mas não apontou medidas específicas relacionadas ao uso de short. “A assessoria de comunicação esclarece que o Colégio Anchieta está acompanhando a reivindicação dos alunos de trazerem para discussão temas da atualidade presentes no contexto educativo e social. Por isso, reitera que está dialogando com a comunidade anchietana (alunos, pais, professores, funcionários) sobre as questões em pauta, de acordo com seus princípios e valores, bem como, seu modo de ser e proceder”, informaram.

Leia o manifesto completo:

VAI TER SHORTINHO SIM
Nós, alunas do ensino fundamental e médio do Colégio Anchieta de Porto Alegre, fazemos uma exigência urgente à direção. Exigimos que a instituição deixe no passado o machismo, a objetificação e sexualização dos corpos das alunas; exigimos que deixe no passado a mentalidade de que cabe às mulheres a prevenção de assédios, abusos e estupros; exigimos que, ao invés de ditar o que as meninas podem vestir, ditem o respeito.
Regras de vestuário reforçam a ideia de que meninas tem que “se cobrir” porque garotos serão garotos; reforçam a ideia de que assediar é da natureza do homem e que é responsabilidade das mulheres evitar esse tipo de humilhação; reforçam a ideia de que as roupas de uma mulher definem seu respeito próprio e seu valor.
Ao invés de humilhar meninas por usar shorts em climas quentes, ensine estudantes e professores homens a não sexualizar partes normais do corpo feminino. Nós somos adolescentes de 13-17 anos de idade. Se você está sexualizando o nosso corpo, você é o problema.
Quando você interrompe a aula de uma menina para forçá-la a mudar de roupa ou mandá-la pra casa por que o short dela é “muito curto”, você está dizendo que garantir que os meninos tenham um ambiente de aprendizagem livre de “distrações” é mais importante do que garantir a educação dela. Ao invés de humilhar meninas pelos seus corpos, ensinem os meninos que elas não são objetos sexuais.
Ao invés de ensinar que a minha decência e o meu valor dependem do comprimento do meu short ou do tamanho do meu decote, ensine aos homens que eu sou a única responsável pela definição da minha decência e do meu valor. Ensine aos homens o respeito, desconstrua o pensamento de que a roupa de uma mulher decreta se ela é ou não merecedora de respeito.
O Colégio Anchieta diz ser um colégio que ensina a pensar e fazer o futuro, mas nós não vemos nada de futuro em suas aulas e suas políticas. Não discutimos temas atuais, fenômenos sociais; não aprendemos política; nunca ouvimos falar de feminismo, machismo, sexismo, racismo e xenofobia em sala de aula; não aprendemos sobre opressão de classe, gênero e raça; não nos falaram sobre o desastre da Vale/Samarco nem sobre as operações anticorrupção acontecendo no Brasil; não nos explicam sobre cotas para universidade; não nos ensinam a diferença entre opinião e discurso de ódio; não nos ensinam o mínimo para compreender e para viver em sociedade.
A prioridade é ensinar para o ENEM e vestibulares, entendemos. Mas a educação social e política não pode ser deixada de lado. É por meio dela que construiremos uma geração melhor que a anterior; é por meio dela que criaremos um mundo onde mulheres não serão julgadas e humilhadas pelas roupas que escolhem vestir, pela forma que tem ou por quantas pessoas já transaram; é por meio dela que acabaremos com a realidade de que, a cada 2 minutos, 5 mulheres são espancadas no Brasil e, a cada 11 minutos, 1 é estuprada; é por meio dela que criaremos um mundo onde cotistas não precisarão ouvir que “roubaram a vaga” de alguém que estudou a vida inteira em colégio particular; um mundo onde mães de crianças negras tenham certeza de que, no fim do dia, seus filhos voltarão pra casa; um mundo onde não perderemos mais vidas para a Guerra Às Drogas; onde mulheres não morrerão em clínicas clandestinas de aborto; onde a religião e a política não se misturarão; onde o capital não será mais importante do que a vida; onde os problemas de hoje serão solucionados.
Nós, alunas do ensino fundamental e médio do Colégio Anchieta, nos recusamos a obedecer a regras que reforçam e perpetuam o machismo, a cultura do estupro e slut shaming.

Fonte: Sul 21


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