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A odisseia das mulheres pelo direito ao aborto na América Latina

pró aborto

Em uma época em que muitos países latino-americanos avançam em políticas sociais progressistas (casamento gay no Chile, adoção por famílias com pais homossexuais na Colômbia, legalização do consumo de maconha no México), abortar na América Latina ainda é um tabu. Essa é a situação em alguns países do continente:

Brasil, retrocesso
Atualmente, o aborto é legal no Brasil apenas em três casos: estupro, gravidez de risco para a mulher ou má formação cerebral do feto. Em 2014, o Brasil registrou 1.613 abortos legais, 94% deles por estupro. Alguns ativistas que defendem o direito de escolha alegam que a cada ano são realizadas um milhão de interrupções clandestinas de gravidez.

As mulheres brasileiras estão há semanas em guerra contra um projeto de lei que visa dificultar ainda mais o acesso ao aborto para vítimas de estupro. O Congresso, que tem o ultraconservador Eduardo Cunha como presidente da Câmara, aprovou recentemente o andamento de um projeto de lei (que ainda precisa ser aprovado pela Câmara) que exige que as mulheres denunciem o estupro e sejam submetidas a um exame médico, além de passar por várias entrevistas. A norma, que pode por em dúvida a legalidade da pílula do dia seguinte, foi elaborada pela bancada de deputados evangélicos, à qual o próprio Cunha pertence, e despertou a ira dos movimentos feministas, que na quinta-feira foram às ruas pela terceira vez em duas semanas no Rio de Janeiro e em São Paulo com o lema: “Pílula fica, Cunha sai”.

Colômbia, batalha para se cumprir a lei
O Tribunal Constitucional colombiano reconheceu em 2006 o direito de se interromper a gravidez quando há um perigo para a vida ou a saúde física e mental da mãe, quando a gravidez resulta de estupro ou se há má formação do feto. Mas não tem sido fácil se fazer cumprir a lei.

Na Colômbia, 60% das gravidezes não são desejadas, e as mulheres lutam para que as instituições de saúde respeitem a decisão da Justiça. Na terça-feira foi realizado o primeiro fórum no país sobre o aborto, organizado pela ONG Women’s Link Worldwide e a Fundação Bom Governo. No encontro, lideranças femininas manifestaram preocupação com a praga dos abortos ilegais, que provocam a morte de 10% das mulheres grávidas, de acordo com dados da organização Pelo Direito de Decidir.

À voz de grupos de feministas e de defensores de mulheres se somou a do procurador-geral do país, Eduardo Montealegre, que anunciou que irá propor ao Congresso que apresente uma legislação para que o aborto seja descriminalizado, em qualquer caso e sem quaisquer restrições, durante as primeiras 12 semanas de gravidez.

México, Estado por Estado
No México compete a cada um dos Estados legislar sobre o direito à interrupção voluntária da gravidez. O estupro é a única causa legal aceita em todos os Estados, embora, em muitos casos, sejam exigidos requisitos como apresentar uma denúncia ou impor um prazo máximo. A capital, Cidade do México, é a única onde as mulheres podem interromper livremente a gravidez antes das 12 semanas de gestação. A lei, uma iniciativa do governo local do PRD (de esquerda), foi aprovada em 2007 e referendada pela Justiça um ano depois. Guerrero, um dos Estados mais pobres, tentou seguir o caminho da capital, mas o projeto foi rejeitado pela oposição dos partidos de direita. Guerrero tem a maior taxa nacional de morte de mulheres que são hospitalizadas após a realização de um aborto clandestino. Desde 1990, morreram no país 30.000 mulheres por causas relacionadas à maternidade.

O México é profundamente católico — 8 de cada 10 cidadãos são considerados fiéis — e a influência da Igreja é vista nas leis. O direito ao aborto está encurralado nas Constituições de 16 Estados, que ditam que a vida começa com a fecundação. Em algumas localidades, é considerado um crime punível com até 8 anos de prisão. Pelo menos 22 mulheres estão presas no México por esse motivo.

Fora da capital, os outros 31 Estados reconhecem algumas exceções em que as mulheres podem abortar: a ameaça de morte para a mulher (70%), a má formação fetal (50%), risco para a saúde da mulher (40%). Uma de cada três meninas mexicanas de 15 a 19 anos é sexualmente ativa. Mais da metade delas engravida, o que coloca o México em primeiro lugar entre os países da OCDE no ranking da gravidez precoce.

Argentina: muito restritiva
A Argentina só permite a interrupção da gravidez em casos de estupro ou perigo de vida para a mãe. A lei, além disso, é aplicada de forma ainda mais limitada em muitas províncias.

O país está entre aqueles com maior índice de abortos por número de nascimentos, segundo a OMS. A cada ano são cerca de 500.000 abortos, a maioria de forma clandestina. Embora não exista um estudo oficial, alguns relatórios falam de uma centena de mortes anualmente. A presidenta Cristina Fernández de Kirchner é católica e contrária ao aborto, e o assunto não está na agenda do Governo.

Uruguai, uma exceção
O aborto durante as primeiras 12 semanas de gestação é legal no Uruguai desde 2012. A mulher deve passar por uma consulta inicial de aconselhamento, uma reunião com um psicólogo, um assistente social e um médico, um período de cinco dias de reflexão e, finalmente, uma sessão para receber o tratamento, geralmente com medicamentos. Em 2014 foram realizados 8.599 abortos nesse país, apesar de 30% dos médicos uruguaios serem objetores de consciência e não praticarem o procedimento.

No Chile, proibição total
O Chile é um dos poucos países do mundo onde o aborto é proibido em todos os casos. O Governo da socialista Michelle Bachelet tenta descriminalizá-lo em casos de estupro, risco de vida para a mãe e má formação fetal, mas o tema ainda está em tramitação no Congresso. Embora fosse resolver apenas 5% das 70.000 interrupções voluntárias de gravidez que ocorrem anualmente no Chile, a aprovação da lei não só resolveria as situações mais graves, mas, principalmente, modernizaria a legislação local para os mínimos padrões éticos estabelecidos por organizações internacionais.

Paraguai: nem em caso de estupro
A legislação paraguaia só permite o aborto quando a vida da mulher grávida está em grave perigo, e não tem exceções para casos de agressão sexual, nem se o feto for inviável. Como resultado, mais de 600 meninas com menos de 14 anos dão à luz todos os anos nesse país. Um dos casos mais recentes foi de uma menina de 11 anos que foi estuprada pelo parceiro da mãe e deu à luz em agosto.

Fonte: El País Brasil


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